O que quem ama pediria ao tempo, questiona Anne Carson. O doce jamais se afasta do amargo. Há sempre na alegria do encontro a angústia. De mãos dadas o prazer e o medo. O desejo e a vergonha. A vontade e a raiva. O sorriso esconde-revela-seduz o mistério. Um convite ao mergulho aos abismos que habitamos. Nas profundidades a beleza dos escuros pouco revelados divide a viagem com a perigosa falta de ar. Tudo gira em ciranda. Carrossel. Rodamos. Rodopiamos entre o prazer e a dor. Porque jamais poderemos amar sem nos entregar. Amar pede corpo, pede pele.
O amor é doce, açúcar, melado. Faz doer o céu da boca. A saliva é o exato instante do desejo. As vogais se separam, sozinhas cantam. Poucas consoantes conseguem o mesmo efeito. Ficamos fora de nós mesmos. Habitamos o outro. Corpo, coração, alma. O desejo é uma tempestade. Arrasta pensamentos, braços, casas, roupas, ideias, utopias, sonhos. Ventania. Há ventos que enlouquecem.
Não há quem tenha o mapa das emoções. Ninguém nunca passa pelos mesmos lugares. Becos, ruelas, autoestradas, atalhos. A viagem é única. O amor é andante. Cria caminhos onde não tem. Nega os que existem. Insiste onde há pedras e muros. Faz-se água. O desejo é líquido que penetra nas brechas. Escorrega por entre os dias, umidece a fala, emudece as palavras. Uma linguagem outra se dá pelos olhos que margeiam o limite do outro.
Partes em nós vibram. Lembranças, medos, receios de criança. Amor é chuva que molha a terra. Semente que o sol clareia. A alegria nasce de dentro da boca. Um jardim de palavras maduras. O calor ferve o rosto. Para onde os pensamentos vão diante do silêncio? Uma concha no ouvido e se ouve o mar. Amar é o encontro com as águas escondidas, e o desejo escondido debaixo das folhas do sorriso.
Uma mente-corpo que pulsa pelo pensamento. Uma ideia quase fixa. Poema sem palavras. Mas é dar-se conta de que ter é não ter. Amar é conviver com o voo distante dos pássaros. É dar-se conta da falta. Não adiante falar alto, não há milagres. Amar é desejar o que não existe. É saber que nunca se saberá. Quando se está perto, longe. Um tocar sem tocar. Um dizer sem dizer. O desconcerto de uma chuva de pedras. Nada muito próximo pode ser visto. A distância é amarga mas segura. Vemos o que desejamos. Mas desejamos o que não vemos. Aquilo que só existe entre a madrugada e a insônia.
Amor é curva fora da estrada. Vento no ombro nu. Solstício escuro. Planície encurvada. Alfabeto devorado. Rosto desconhecido. Bichos domésticos. Janela aberta. Solidão lapidada. Pele. Um jardim ao contrário. Língua queimada. Crônica com poesia.
O que tocamos quando tocamos o amor? Uma presença na ausência? O que imaginamos ou o que de fato é?
Sem a morte da fruta, nós jamais a comeremos.