Adriana Antunes

Adriana Antunes

Escritora, Doutora em Letras e psicanalista. Gosta de falar com plantas e ouvir pessoas. Também habita a Casa do Caramujo, atelier de arte e cerâmica em Caxias do Sul, onde dá oficinas de como desacelerar a vida.

Crônica
Opinião

Não sabemos o que é amar

Entre a perda de sentido e a angústia do fim, um raio de sol começa a surgir

Adriana Antunes

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Achamos que era amor e não era. Amamos enganados. Amamos meio como crianças, fazemos birras, fechamos a cara, exigimos exclusividade. Amamos no meio da rua, se escondendo atrás da porta. Amamos sempre uma primeira vez, um amor que rasga o peito, amolece as pernas. Somos desprevenidos para o amor. Amamos o improvável. Amamos às quatro da tarde num café, às oito da noite num cinema, às três da madrugada sozinhos na solidão da insônia. Amamos cedinho junto dos pássaros. Amamos na imaginação, na fantasia. Amamos o desejo de amar. Amamos o cheiro do outro, a voz do outro, os versos do outro. Amamos de um jeito embaçado, meio nebuloso, nunca conseguimos ver de fato.

Às vezes amando chegamos no abismo. Neste lugar em que tudo emudece, se cala, silencia. Um lugar em que tudo se ama, mas não há amor algum. Nos amamos ali, solitários e perdidos em si mesmos. Um amor relâmpago no meio do escuro. Amor que enlouquece e rouba o juízo. Amor de fome do outro. Não há proteção. Há a queda a frente. Percebemos, mas insistimos. Não temos medo. É um amor sem medo. Amor doido e doído. Amor que perde. Amor insuportável. De posse. De hipocrisia. De faz-de-contas. Amor estranho em que todos sabem o que está acontecendo menos você. Amor louco. Amor que não te quer chata. Que não te quer com tantos amigos. Que não aceita que tu sorria para outra pessoa. Amor que prende. Que machuca. Quer que tu ame quieta, sossegada, frágil. Amor cheio de não ditos e poeira sobre as fotos na parede da sala. Amor poder. Submissão. Subjugação. Amor status. Amor para os de fora verem e acharem bonito. Amor sem pertencimento, de obrigação. Amor contrato. De papel passado e jamais rasgado. Amor sem margens, folha cheia de rabiscos, lágrimas em silêncio.

Não sabemos amar e amamos mesmo assim. Não estamos preparados para amar e nos arriscamos mesmo assim. Amamos e achamos que amar é sofrer em alguma medida. Amamos e achamos que o outro saberá o que é melhor para nós, mas o outro também não sabe de si. Depois, entre a perda de sentido e a angústia do fim, um raio de sol começa a surgir. Um sol choroso, molhado. Sol que aquece o coração, as pernas, o corpo. Sabemos que houve um despedaçamento. Amar demais é excesso. Todo excesso é destrutivo. Amar é entender que no começo não vemos direito. Que demora um tempo para percebermos onde estamos nos metendo. E que o abismo pode ser incrível quando as duas pessoas estão dispostas a voar juntas. Do contrário, não é amor, é morte.

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