O tempo passa, às vezes nos damos conta, outras não. Independente de nós, ele passa. Já é quase fim de ano, de novo. Esta terça-feira (31) é o último dia de outubro. Aprender a duração do tempo exige que possamos senti-lo fluindo por nós. Mas quase nunca sentimos. Afinal, temos tantas outras coisas importantes para fazer, pensar, viver, que sentir o tempo nos atravessar não faz parte de nossas preocupações. Mais ou menos. Ser atravessado pelo tempo é envelhecer, é ver o corpo murchar, cair, se modificar. Nestes momentos sentimos o tempo ancorado em nosso corpo, porque sentimos medo. Medo de morrer. Medo da finitude. Medo de descobrir que nossa ampulheta do tempo, independente de nosso desejo, jamais deixou de escoar a areia dos dias.
Isso que te rodeia, que sempre esteve em volta de ti, continua ali. As mesmas pessoas, os mesmos lugares, os mesmos sentimentos. Aprendemos a nos esconder um pouco, é verdade, mas sempre há aquele amigo que sabe quando tentamos burlar alguma dor ou fingir o que quer que seja. Somos os mesmos, só que mais velhos. Quando encontro amigos do tempo da infância, da escola e mesmo da faculdade é incrivelmente estranho, é como se me deparasse com um registro do passado, só que atualizado.
Nossos pés tocam o mesmo chão. Circulamos pelos mesmos caminhos há anos. Desta rota, pouco mudou, talvez a paisagem. Meu pai costumava dizer, quando passava por algum lugar do tempo da juventude, “aqui era tudo árvore”. Eu achava uma chatice essa conversa. Por onde olhava via progresso e no meu caso, naquela época quando somos só onipotência, achava que rua asfaltada, parada de ônibus, posto de gasolina e farmácia perto de casa, era coisa de cidade. E cidade era sinônimo de progresso, diferente da colônia.
Dias atrás tropecei e caí. Depois de alguns anos as quedas nos assustam muito. A proximidade do corpo com o chão me fez lembrar do tempo de criança, quando a cabeça não ficava tão distante dos pés e cujas preocupações eram entender como as formigas conseguiam andar em fila indiana, qual a diferença dos casulos das borboletas do das aranhas e como se chamava aquela gosma avermelhada que saia das árvores e que meu pai brincava, dizendo que era a “regina” da planta.
A dobra do tempo andou. Hoje me pego dizendo a mesma coisa que meu velho. O que de fato compreendo é que o corpo que carrego é o único que tem atravessado a vida junto de mim. Meu corpo, assim como o seu, tem sido ao longo dos anos, território de acontecimentos, alguns que temos lembranças, enquanto outros foram esquecidos. Ainda bem, nem Funes, o memorioso de Jorge Luís Borges, deu conta de guardar tudo. Assim, todas as histórias começam em nosso corpo e, invariavelmente, terminam nele.
O real é que estamos no mundo do agora e às vezes este mundo é um grito seco, uma mistura de um estalo de beleza e dor. E um dia, não saberemos de mais nada, nem se havia ou não árvores por aqui. A duração do tempo é o tempo da vida em nós.