Dias antes o sol aqueceu os lugares. Portas abertas, janelas escancaradas. Vidraças refletindo o amarelo do dia. Era fim de semana. Bicicletas invadindo as ruas, crianças correndo pelos parques. Pouca roupa no corpo. Uma onda de calor cruzou por nós, como a porta do forno de uma padaria que se abre. Decidimos sair de casa, guardar as roupas pesadas de inverno e abrir uma bebida gelada. O verão se aproxima da Terra como um foguete.
Nos dias quentes, no fim da tarde o céu fica vermelho no horizonte. Uma faixa de fogo se levanta antes da noite cair e escurecer o dia. Não é Marte. É aqui mesmo, basta olhar. Uma paisagem laranja ilumina a despedida. Me pego pensando como seria o entardecer em outros planetas. Que tipo de vida deve haver em outros lugares para além de aqui? Eu tinha 13 anos quando me apaixonei por ficção científica. Na época não se falava em inteligência artificial. Não existia, para mim, nada além do quintal de casa. Mas dali era possível olhar o céu. A luz noturna das estrelas criava um anfiteatro em que se podia observar o centro ao longe, distante, iluminado artificialmente, mas sem inteligência. O rádio disputava atenção com as cigarras que gritavam até explodir. Tudo aconteceu tão rápido.
Dias atrás, no fim de semana passado, dentro do calor que escaldava o sábado, estive em um bate-papo sobre Inteligência Artificial. Um grupo de pessoas queridas e envolvidas no assunto, nos apresentou facetas desse universo que nos abocanha mais e mais a cada dia, entre elas Marcelo Mugnol que também escreve por aqui. Pensamos em coisas que nunca tínhamos pensando antes. Inteligência essa, que segundo Lapoujade, é a vida que se tornou exterior de si. Fiquei às voltas com minhas próprias luas, pensando que ontem eram os vagalumes que iluminavam a noite escura e hoje é possível criar hologramas. Em mim ficou ecoando a necessidade de nos reinventarmos enquanto humanos, uma vez que as máquinas já estão por aqui.
Quando pisei na calçada da noite, pelo lado de fora, em direção à casa, tentei escutar o silêncio que recobre o universo ao qual pertencemos. Pensar nisso me faz voltar aos 13 anos. Olho para o céu limpo como se as estrelas tivessem tomado banho. Como se o ficcional finalmente adentrasse o real. E isso é assustador. Mal compreendemos sobre quem somos. No entanto, há cada vez mais a interação com a máquina e nenhum de nós está fora disso. Mentira. Há inúmeras pessoas que por questões sociais e econômicas não fazem parte do sistema, e muito antes da Inteligência Artificial existir. Gentes cujo mundo real é tão insólito e inóspito quanto qualquer planeta do sistema solar, incluindo o nosso. E mergulho nos olhos do morador de rua, do menino que faz malabarismos no sinal de trânsito, da mulher que pede comida para seus filhos, e sei que a máquina jamais vai entender a dor de não ser e não existir, embora muitos de nós, que se acreditam humanos, já se automatizaram faz tempo.