Mais uma Feira do Livro se encerrou. Lembro de circular por ela há anos. As bancas, o cheiro dos livros, as pessoas remexendo as caixas dos saldos, o senhor vendendo algodão doce, o cheiro de pipoca, pessoas se reencontrando, colocando a conversa em dia e outros trocando ideias pela primeira vez. Tudo acontecendo no espaço mais sagrado de uma cidade, a praça central. É mágico acompanhar a feira ser construída, desde os primeiros parafusos e perceber o olhar atento de quem sempre anda por ali, mas pouco conhece do universo das letras até os lançamentos e bate-papos mais badalados. É por isso que uma feira do livro a céu aberto é fundamental. Ali, em meio as rodas de conversas, bate-papos e palestras sentam lado a lado o doutor em letras, o escritor, a dona de casa, a criança curiosa e o morador de rua. Há uma certa democracia sugerida pelos livros.
Há na leitura uma espécie de dignidade. Conhecer o modo como escrevemos é fazer-se sujeito. Nomear as letras, compreender o que dizem, interpretar fazem parte de um sistema complexo de aquisição de linguagem. Mas para além das questões cognitivas e educacionais é preciso que haja afeto, emoção, reconhecimento, respeito e amor aos livros. Coisa que se aprende na escola, é verdade, mas que precisa estar presente em casa. As crianças não aprendem a ler apenas quando conhecem o alfabeto, mas sim quando tocam no livro acompanhadas pelos pais. Quando descobrem que abrir um livro e olhar as imagens é prazeroso. Quando percebem que mesmo sem conseguir ler ainda, há ali naquele livro uma história que pode ser inventada pela própria imaginação. Carecemos não só de leitores, mas de pessoas que saibam imaginar. E imaginar é sonhar acordado. É brincar de adivinhar o que não entendemos no mundo.
Vivemos tempos tão distópicos, tão estranhos e infelizes. No entanto, é preciso que redescubramos a importância de voltar a se conectar com aquilo que de fato faz sentido. Há no processo da leitura, o encontro com outras formas de pensar. Ao ler e quanto mais se lê mais isso acontece, descobrimos que somos convidados a ser menos arrogantes e mais sensíveis ao mundo. A leitura amplia nossa realidade, nos faz mais humanos.
Minha avó não sabia ler. Tenho uma fotografia dela com um livrinho de orações na mão. O livro enquanto símbolo de poder. Ela gostava que eu lesse para ela. E eu lia, desde notícias de jornal até poesia. Ela me dizia que era como eu, também tinha pensamentos e se pudesse, escreveria. Toda vez que tem Feira do Livro penso nela e no desejo irrealizável que tinha de ler. Ela e mais muitos outros que por inúmeras razões, inclusive por falta de políticas públicas, não sabem ler.
A feira acabou, é verdade, mas os livros não. Eles continuam a circular de muitas formas, em muitos lugares. E se não é possível adquirir um, é possível frequentar a biblioteca pública, por exemplo, ou outros lugares, que se abrem a espera de leitores. Pensar interrompe o fluxo das coisas já dadas e é na pausa para ler que transgredimos a realidade e construímos outros mundos.