Enquanto as pessoas no mundo fazem guerra, debaixo das pedras as sementes sonham. Sonham com lugares mais verdes, com árvores, talvez uma floresta. Sonham com mais flores, com frutos maduros, com pássaros e seus ninhos. Sonham com lugares sombreados, vento, sol, noite estrelada e riachos. Mas não sei se sonham com seres humanos.
Observar as sementes é dar-se conta de que o mundo é um lugar frágil demais. Carece de tempo, de paciência, de amor e de respeito. Se somos o ambiente em que vivemos, somos o caos. Estamos perdendo os contornos. As fronteiras são invadidas, os limites ultrapassados. Tudo está se misturando de uma maneira conflituosa. Vivemos cada vez mais uma noite constante. Nossos escuros tomam conta dos espaços, do mundo, dos outros. Somos o escuro do mundo. Mas não ousemos nos comparar aos animais. Nem o mais animalesco de todos é tão perverso quanto o ser humano. Somos capazes de atrocidades. De maldades inimagináveis. De crueldades impensadas. Somos tão ruins que comemos os bichos e não o contrário. E não há argumento para isso.
Quando eu era criança acreditava que se não habitássemos os lugares eles não existiriam. Uma casa, uma rua, uma escola, um prédio, tudo deixaria de existir se não houvessem pessoas para ocupar estes espaços. Era como se o mundo só existisse se nós, humanos, pudéssemos dar existência aos lugares, objetos e, talvez, até às outras pessoas. Assim como o teatro, que só existe de fato, quando ocupamos o palco e a plateia. Ou como uma biblioteca, que só desperta quando os leitores a frequentam e abrem seus livros.
No entanto, basta crescer um pouco e nos damos conta exatamente do contrário. Quanto lugar, quantas coisas, quantos espaços, quantos rios, quantos animais, quanta mata deixa de existir, justamente porque nós existimos. É como se andássemos em marcha ré. Na medida em que avançamos, o mundo desaparece. Ou colapsa.
Penso nas sementes e no seu sono quieto debaixo das pedras. Um dia, elas despertarão e formarão um mundo. E outra vez nascerão flores e árvores e os pássaros cantarão como se fosse a primeira vez. Elas já fazem isso há milhões de anos, mas pouco damos importância para isso, porque enquanto seres humanos temos outras preocupações, coisas mais importantes para pensar, como destruir o diferente de mim. Ignorar o que pensa de outro modo e vociferar, destilando o veneno que carregamos.
Apesar desta crônica estar bastante pessimista, por conta das notícias do outro lado do mundo, mas também pelas guerras íntimas que todos atravessamos silenciosamente, sou uma romântica utópica que acredita em pessoas e nas coisas boas que também somente nós, fazemos. Minhas orações são as leituras de Emil Cioran, filósofo, porque acredito na contradição e na necessidade de aprendermos a suportar os paradoxos. “Apesar de tudo, (apenas alguns, a cronista acrescenta) seguimos amando, e esse apesar de tudo, protege o infinito”.