A pedra esculpe o tempo. Há nela passado, presente e, de certa forma, o futuro. Ela subverte os espaços familiares, pois nos transporta para um outro lugar. Toda vez que viajo e a mala passa pelo raio x do aeroporto fico imaginando a cara das pessoas ao verem minha bagagem com pedras embrulhadas e guardadas no bolso, junto das roupas. Eu coleciono pedras. E quando viajo deixo as pedras me escolherem. Acredito que as pedras nos carreguem para estados de nascimento. Nos contam histórias de como era antes, antes de tudo acontecer. As pedras nos oferecem o encontro com uma temporalidade profundamente diferente da que estamos hoje. Topar com uma pedra é permitir-se viver uma espécie de revelação. Carregam a força dos rios, o frio da montanha, o calor do vulcão. Nos falam das pegadas de quem pisou na história milhões de anos atrás. Tocar em uma pedra é fazer uma anamnese dos tempos, são os fatos em pedra. Ela vem antes do molde, antes da interferência humana. Quando nos abaixamos para pegar uma pedra do chão (e imagino que deva haver outros colecionadores como eu) criamos um vazio onde a pedra estava. Alteramos a geografia e tocamos os tempos do lugar singular que constitui algo que nunca chegaremos a conhecer.
Pedra é memória. Uma memória em matéria maciça ou calcária, macia ou áspera, moldada pelo tempo ou esquecida por ele. Fico pensando como nasce uma pedra. Gaston Bachelard vai dizer que a função do rochedo é colocar terror na paisagem. Quando se está perto de um se entende o que o filósofo queria dizer. A pedra é uma anotação do espaço. É a pele da terra partida. É estranho falar disso, parece menos importante. Afinal, a maioria de nós não dá importância para as pedras, mas prestar atenção nelas é permitir-se a tatilidade do mundo. Estamos tão distantes do real do mundo que é preciso inundação, calor excessivo, asfalto rachado, tremores para que nos demos conta de que a Terra é viva. A cada vez que toco numa pedra, penso que pensamos demais em ser, ser, ser e que deveríamos nos predispor a pensar em modos de ser.
O mundo nos convida para andar às apalpadelas, tocando, sentindo, percebendo, respeitando, porque ele sabe muito mais dele do que nós achamos que sabemos. Há um outro modo de pisar sobre ele, de preferência com menos arrogância. Há uma pedagogia do chão a ser vivida. Andar olhando para o chão nos ensina que tudo é rizoma, uma folha evoca as raízes, a casca de uma árvore às galerias minerais, os vasos capilares da terra unem-se as nossas próprias pálpebras, somos todos um. Tudo é um. Pedra é lugar. Encontrar com uma é viver um reviramento interno. É moradia, não no sentido onde podemos morar, mas o que mora em nós. É nos darmos conta de que o que nos circunda no espaço, constrói a paisagem, extensão de nós mesmos. Um prolongamento. É dar-se conta de que ela não existe porque nós existimos, ela já existia e continuará existindo. A menos que a gente estrague tudo antes.