Um silêncio invade o espaço. O canto dos pássaros se mistura ao barro. Aos poucos as mãos vão dando forma à argila. É preciso tempo, paciência e aceitação. O barro precisa ser amaciado, esvaziado, cansado para que se entregue ao imaginário. Há na terra uma leveza que só se descobre quando se faz cerâmica. Em cada peça há um tanto de nossa própria história, pensamentos, emoções. A cerâmica é também o resultado do que nos atravessou durante seu feitio. A arte da cerâmica é uma espécie de um fazer-sem-pensar, pois enquanto a obra se faz em nossas mãos, ela mesma inventa um modo de se fazer. Toda peça de terra queimada, forjada pelo fogo, apresenta uma narrativa, por isso ajuda a encontrar nossa própria origem. O barro é depositário de sonhos e angústias.
No início não era apenas o verbo e o caos, era também o barro. Era um tempo mítico em que os seres humanos estavam mais próximos da natureza, venerada e temida como uma deusa poderosa, sagrada e misteriosa. Fazer cerâmica é reatualizar nossos antepassados mais remotos. Tocar o barro, moldar, queimar uma vez, esmaltar, queimar uma segunda vez, observar o resultado e perceber que a cerâmica é fruto do processo, nos ensina a ser mais lentos. Saber esperar é a primeira lição de quem se propõe a aprender a arte do barro.
Nosso atelier comemorou neste dezembro cinco anos de existência. É uma criança, ainda, mas pelas contas caramujísticas já vivemos 124 ciclos solares e 3.200 lunares. Muitas pessoas já estiveram conosco (re)descobrindo a alegria de ser e estarem consigo mesmas. Quando a Casa do Caramujo surgiu criamos uma espécie de pedagogia do caramujo, esse simpático gastrópode de água doce. É necessário ressaltar que alguns são inofensivos. A ideia do nome do atelier surgiu da paixão pela poesia de Manoel de Barros. A proposta foi e continua sendo de desacelerar, construindo um espaço-tempo de verdilências, um neologismo nosso, que mescla a busca por um mundo mais verde e lento. Aos que nos encontram, apresentamos nossa busca, uma lista pequena e profunda da pedagogia que trabalhamos:
1) O tempo é senhor de (quase) tudo;
2) Não importa o projeto, mas a entrega de si mesma no processo;
3) Não temos controle (de tudo) de quase nada;
4) Tocar a matéria é ser tocada por ela;
5) Imperfeição, impermanência e incompletude são mantras wabi sabi que seguimos;
6) Aprender é verbo infinito;
7) A arte de viver é a arte de desapegar-se;
8) Res.pi.rar é tão importante quanto gosmar (“caramujos gosmam a vida”, verso de Manoel de Barros)
9) Lentidões são formas de saborear o mundo;
10) Caramujos levam consigo apenas (e somente) o necessário: leveza é le(s)ma.
Lembro da minha avó com um pedaço de barro nas mãos, um mastigar entre os dedos. Sorria, moldava um pedaço de barro e perguntava, como é possível? Anos depois, moldo baleias, bichos, pessoas e penso, não sei vó, não sei, só sei que acontece e, é incrível. A arte é minha vereda pessoal.