Outra vez nosso corpo. Nosso corpo que envelhece, muda, engorda, que não é mais o mesmo de quando tínhamos 20 anos. Outra vez nosso corpo. E há anos temos vergonha do corpo que temos. Fazemos dieta, usamos cintas apertadas, ficamos em jejum, sentimos culpa ao comermos um pouco a mais, nos submetemos a cirurgias, fazemos academia cinco vezes por semana, senão todos os dias e mesmo assim escutamos que estamos acima do peso ou ficaremos se continuarmos a comer do modo como comemos. Por que deixamos com que as pessoas falem conosco desta forma? Para nos enquadrarmos, sermos vistas, amadas, para nos sentirmos bem?
Há anos sentimos que somos feias, por mais que façamos, o corpo diante do espelho expõe o imperfeito em nós. Há anos não gostamos da pele que temos, do rosto que carregamos. Fazemos realinhamento, colocamos cílios, tiramos manchas, corrigimos o nariz, aumentamos o lábio. Nunca está bom e quando fica bom é por pouco tempo. Nosso cabelo é horrível, curto não é bom, longo demais não é bom, da cor que está não combina. Descolorimos, fazemos alisamento, pagamos uma fortuna aos salões de beleza e em casa, sozinhas, dizemos que nosso cabelo é feio. Culpa do nosso maxilar que se projeta de um jeito estranho em nosso rosto. Herança da avó paterna. Nossas pálpebras estão caídas demais para quem mal tem 40 anos. Descobrimos formas de maquiar para esconder este defeito que carregamos ou fazemos uma intervenção cirúrgica. Não gostamos do corpo que temos, dos peitos pequenos ou grandes, tortos, flácidos demais, cheios de estrias. Se nos tornamos mãe e amamentamos, o pesadelo é ainda maior. Não gostamos dos pelos que temos, são nojentos, grossos, impertinentes, escuros demais. É preciso se depilar a cada três dias.
Outra vez nosso corpo que tanto importuna. Nosso corpo que precisa se modificar de novo e de novo. Nosso cheiro é ruim, nosso nariz grande demais, ossudo, protuberante, deformado. Nossos dedos das mãos que são grossos e curtos demais ou longos e estranhamente finos. Nossas coxas que precisam de músculo, mas não demais para não parecerem masculinas. Não gostamos dos nossos pés, com joanete e unhas encravadas. Não gostamos do nosso quadril. Aquela vergonha de colocar um biquíni e se mostrar. Um quadril desproporcional aos ombros. E nossas pernas, com varizes, celulites, cansadas de andar sobre um salto alto, porque somos baixinhas demais ou porque salto alto nos deixa mais femininas. Da barriga nem se fala, sempre saliente, inchada.
Fazemos e dizemos coisas horríveis sobre nós mesmas. Só não falamos que estamos cansadas disso tudo, que temos vontade de gritar. Dar um basta. Desconhecemos nossa força e coragem porque estamos demais preocupadas com a aprovação dos outros. Ainda sofremos disso. Nossa subjetividade ainda passa pelo olhar do outro que nos diz o que e quanto devemos comer. O que vestir, como se comportar. Precisamos pedir perdão é pra nós mesmas e retirar do outro a tutela sobre nossos corpos, decisões e vida.