Com o que você anda sonhando? Desde o início da pandemia muito se tem falado sobre nossos sonhos. Passados quase um ano e meio, os sonhos se modificaram um pouco. Voltamos a sonhar com quedas. Muitos de nós tem sonhado que estão caindo e acordam antes de atingir o chão. Mas o que esses sonhos todos estariam indicando? Freud dizia que o sonho é o guardião do sono, pois enquanto estamos sonhando, podemos seguir dormindo.
Quando era adolescente sempre sonhava que estava caindo de algum lugar. Às vezes era da sacada da casa, às vezes de um prédio, às vezes caía pelo céu e sem paraquedas. O motivo nem sempre era claro e nem a forma com que o sonho se apresentava. Na maioria das vezes não tinha enredo. Era apenas a queda livre e a sensação de angústia. Tenho a impressão que todos nós já tivemos sonhos assim e de certo modo, eles têm voltado. O impressionante é que o mesmo inconsciente que nos convoca a cair, nos protege do fim. Também é, ao mesmo tempo, lindo e assustador imaginar que alguém dentro de nós deseja que possamos dormir e descansar.
Muitos paciente têm trazido seus sonhos de quedas, remetendo aos sonhos da infância e da adolescência, quando eram mais frequentes. Talvez tenhamos voltado a um estado de desamparo primordial, que marcou nosso início e agora se repete. É como se nosso inconsciente nos preparasse para o momento em que seríamos levados pelo covid ou outra doença. Talvez um ensaio de morte, sempre fracassada, talvez um alerta para nos darmos conta de que estamos vivos. Talvez repetimos esses sonhos porque ainda não conseguimos elaborar a realidade. Gosto muito de Winnicott, psicanalista inglês, que dizia que nós não temos sonhos, nós fazemos sonhos. Fazemos o exercício de simbolizar, codificar e receber o que nosso inconsciente diz. Ou dito de um modo mais poético, é o que o escritor angolano José Eduardo Agualusa afirma, somos sonhadores involuntários e quando sonhamos nossas realidades se unem simultaneamente. No espaço onírico não há tempo e nem lugar, há apenas o simultâneo.
Pensar sobre o que sonhamos é permitir-se descolar-se da certeza. Nos nossos sonhos as imagens não são conceitos, portanto não podem ser isoladas em sua significação. E aí, a imaginação é fundamental, pois como nos diz Gaston Bachelard, as forças imaginantes nos ajudam a escavar o fundo de nosso ser.
Falar sobre sonhos é sempre desafiador e intrigante. E de certo modo, estético. Nossos sonhos, nossos devaneios antecedem à contemplação. Antes de contarmos o sonho a alguém, antes de tornar este espetáculo consciente, tudo o que sonhamos é uma experiência onírica, é algo que se dá sem espaço ou tempo. E, antes ainda de buscar interpretações para eles, é preciso buscar a significação individual e intransferível. Cada um de nós sonha com quedas, mas nenhuma queda poderá ser interpretada do mesmo modo para todos. Então, podemos começar o dia nos questionando, o sonho que fiz essa noite está tentando dizer o que de mim mesmo?