Um ano após verem suas casas tomadas pela água do Rio Passo Fundo, os moradores do bairro Entre Rios ainda tentam restabelecer a vida que tinham. A enchente que atingiu a cidade na madrugada de 4 de setembro de 2023 causou uma morte e deixou 131 desalojados.
Uma sequência de dias de chuva naquele início de setembro fez o rio transbordar e subir cerca de dois metros dentro da casa da auxiliar de limpeza Denise Cristiane Gehlen da Luz, 29 anos.
A água levou os móveis, roupas, o chão e o teto da residência. Hoje ela e o marido acumulam prestações dos novos mobiliários e seguem morando no mesmo local, próximo à Rua Reinaldo Fasolo.
— Foi muito triste, naquele dia acordamos com tudo e fomos dormir sem nada. Nos sobrou a vida, os documentos pessoais e as paredes da casa. E sem dinheiro, só tínhamos a fé mesmo. Estamos trabalhando muito para tentar repor tudo, mas ainda não está 100%. Se tivéssemos condições saíamos dali, mas é o nosso canto, foi onde deu para se reconstruir — resume Denise.
No mesmo bairro, a aposentada Jussara Sales, 70 anos, continua morando na casa construída a beira do rio mesmo com a estrutura condenada.
As madeiras, que Jussara conta ter coletado uma a uma pela cidade, estão desniveladas e com risco de tombamento. A aposentada chegou a morar por nove meses em outra casa, mas, devido a um problema de saúde precisou se afastar do emprego e retornou para o endereço antigo.
— Consegui um pouco de ajuda dos outros, mas móveis ninguém tem para doar, então tive que me virar com meu salário de limpeza doméstica. Eu tentei sair daqui, recebi pagamento do aluguel por dois meses da prefeitura, e outros sete paguei, mas não consegui me manter fora e tive que voltar, mesmo a casa estando em perigo — relembra Jussara.
De aprendizado, a cidade intensificou limpezas de rios e córregos na tentativa de evitar novas enchentes. Agora, os moradores ainda trabalham para reconquistar seus bens, enquanto 122 aguardam o repasse do Auxílio Reconstrução, do governo federal.
O pânico a cada chuva
Viver próximo ao leito do rio que já invadiu as casas por duas vezes é conviver com o medo. Em maio, as duas moradoras também foram afetadas pela enchente, mas conseguiram evitar que os pertences fossem perdidos.
Mesmo assim, a cada previsão de novas chuvas o pânico toma conta da família de Denise:
— O pânico e o medo ficaram, acho que é algo que jamais vai passar. Minhas filhas pequenas têm medo do rio subir de novo, elas dormem falando que o rio vai encher, que vai chover mais. Mas na nossa condição temos que ir levando a vida com o que temos.
No caso da Jussara, por conta do tratamento de saúde que exige repouso, ela e o esposo aguardam receber os auxílios do governo para estabilizar a situação da família:
— É uma tristeza, eu sei que estou em risco. Minhas filhas me falam, meus vizinhos me ajudam, mas a situação é essa. Eu tenho certeza que assim que chover 100 milímetros vai acontecer tudo de novo, é horrível, muito triste.
Nenhum Auxílio Reconstrução foi entregue
Dos 122 pedidos de pagamento de Auxílio Reconstrução enviados por moradores de Passo Fundo ao governo federal, nenhum foi pago até o momento, conforme informações da Defesa Civil municipal. Ao todo, foram recebidos 264 pedidos, que passaram por processo de avaliação até confirmação.
O atraso no pagamento tem a ver com um problema no sistema, que exigia endereço completo das residências. No caso das casas em ocupações, a falta de informação atrasou o cadastro, que foi resolvido e encaminhado para o governo federal.
— Tivemos dificuldade de individualizar as residências que estão em ocupações, que foram as que mais sofreram. O sistema do governo não reconhecia os endereços, os unificava. Por conta disso o governo teve outra estratégia, de verificar as casas com ajuda de funcionários da Caixa no local — explica o chefe da Defesa Civil de Passo Fundo, Coronel Fernando Carlos Bicca.
Foram incluídos no cadastro apenas os atingidos por alagamentos e enxurradas que aconteceram entre os dias 25 de abril e 15 de maio. A reportagem entrou em contato com o governo para questionar sobre o envio do auxílio. Em resposta, a assessoria do Ministério do Desenvolvimento Regional informou que "os prazos estipulados para que beneficiário receba o Auxílio Reconstrução, além das pendências cadastrais, podem ser checados pelo cidadão no portal gov.br".
Ações da prefeitura para evitar novos desastres
Na tentativa de evitar que a população enfrente novas perdas por conta das chuvas, a prefeitura de Passo Fundo tem organizado frentes de trabalho com foco em limpezas nos rios e ruas.
Conforme o secretário municipal de Meio Ambiente, Enilson Gonçalves, o monitoramento é contínuo, com obras de desassoreamento, dragagem e desobstrução dos rios.
— Além de prevenir enchentes e melhorar a qualidade da água, as obras mantêm a navegabilidade, preservam ecossistemas aquáticos e geram benefícios econômicos e sociais para quem mora ali — disse.
Foram contabilizadas 111 toneladas de resíduos retirados dos rios entre janeiro e julho deste ano. Ainda, a prefeitura tem quatro barreiras no Rio Passo Fundo para coletar resíduos, o que impede que percorram os leitos.