Com previsão de 75 milímetros de chuva para os próximos dias em Passo Fundo, moradores de regiões atingidas pela enchente da última semana voltam ao estado de alerta com a possibilidade da água afetar novamente suas casas.
As regiões mais vulneráveis da cidade são as que ficam às margens do Rio Passo Fundo, a exemplo do bairro Entre Rios, o mais prejudicado pelo alto índice de chuvas na primeira semana de setembro. Um homem morreu em decorrência de uma descarga elétrica durante a enchente.
Um das moradoras do local, Denise Cristiane Gehlen da Luz, 28 anos, teme ser atingida novamente. A casa da auxiliar de limpeza, perto da Rua Reinaldo Fasolo, foi uma das mais prejudicadas naquela área. No pior momento da enchente, a água ficou na altura das janelas.
— O pânico ficou, cada pingo que cai do céu a gente sente o medo e o choque. Perdemos tudo, nossa casa destelhou, perdemos 20 metros quadrados de assoalho e todos os pertences. Não queremos passar por isso de novo — lembra.
A rua recebeu uma camada fina de pedras para deixar o solo firme, mas ainda há entulhos a serem retirados. Do outro lado do rio, a recicladora Eva Maria da Luz, 59 anos, também viu a água levar todos os pertences de dentro da residência. Ela aguarda os próximos dias com medo.
— Agora nos ajeitamos de novo, mas temos medo de pensar em perder tudo outra vez, porque marca chuva, mas nós não temos como passar por tudo isso de novo. Nossa vizinha saiu com a ajuda dos Bombeiros, temos crianças, é uma situação que ninguém quer ter que passar de novo.
Áreas sensíveis da cidade
Passo Fundo fica em um ponto alto, mas se posiciona sobre quatro bacias hidrográficas que formam os principais rios do RS. Isso significa que, apesar de ser incomum, a cidade não está livre de enchentes — especialmente em tempos de El Niño e mudanças climáticas, disse o geógrafo Paulo Fernando Cornélio, membro do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas (Gesp).
O bairro Entre Rios recebe esse nome porque fica próximo do "encontro" entre o Arroio Santo Antônio e o Rio Passo Fundo. Na última semana, essas duas malhas fluviais extrapolaram o nível em razão do excesso de chuva, o que causou alagamentos na área. Justamente por causa da localização, esse local em específico sempre foi sensível a inundações, explicou Cornélio. Mas não é só ele: o bairro Zacchia também deve ser alvo constante de atenção.
— O Zacchia é uma planície, com locais onde, no passado, realizaram mineração e retiraram uma grande quantidade de argila, o que deixou a área muito degradada. Quando o rio sobe, toma conta em todas essas áreas — explica.
Outro mapeamento realizado por pesquisadores da Universidade de Passo Fundo (UPF) identificou o Loteamento Primavera como área de risco na cidade, por causa de seu declive acentuado. Uma determinação judicial já apontou a necessidade de realocação das dezenas de famílias que moram na área.
— Claro que as chuvas foram um evento excepcional, mas estão dentro das previsões das mudanças climáticas e já sabemos que podem ocorrer com mais frequência. Por isso é essencial estarmos preparados para esse tipo de incidente, que só deve acontecer mais e mais daqui para frente — completou Cornélio.
O que já foi feito, segundo o poder público
Desde a última semana, após os níveis dos rios baixarem consideravelmente, a população e poder público iniciaram o trabalho de limpeza das áreas danificadas.
Conforme o tenente Daison de Andrade da Silva, da Defesa Civil Municipal, as equipes da prefeitura fizeram o desassoreamento de córregos e limpeza de bocas de lobo. Esses processos evitam que a água fique represada e permitem o escoamento em caso de novas chuvas.
Além disso, equipes estão nas ruas fazendo mutirão de cadastramento das pessoas para receberem os alertas gratuitos da Defesa Civil no celular.
— Assim todos terão a possibilidade de receber uma mensagem em caso de novas chuvas. Ela aponta o horário que vai acontecer e a gravidade. Também estamos conscientizando as pessoas a não largarem lixo, o que evita o entupimento da rua — afirmou Daison.
MP cobra mais soluções
Quanto às medidas de prevenção, o promotor Paulo Cirne, no Ministério Público de Passo Fundo, afirma que existe a possibilidade de adotar ações no bairro Entre Rios, como de drenagem do solo e recolhimento de lixo. Outras alternativas seriam a instalação de técnicas de proteção, como barragens e sistemas de proteção para casos extremos.
— O objetivo do Ministério Público é, junto ao município, buscar alternativas e cobrar essas ações do poder município municipal para evitar que as pessoas percam seus pertences e até mesmo suas vidas — disse.
Cornélio também defende a realização de um levantamento sobre a situação do leito do Rio Passo Fundo na área urbana para mapear os resíduos levados pela água que podem estar represados no leito do rio.
— Em um passado recente já houve intervenções para retirada de lixo do rio, e precisamos fazer isso novamente. O Gesp vai oficializar um pedido à administração para fazer esse trabalho, percorrendo o leito, de retirar do rio o que pode prejudicar a sua continuidade e, assim, evitar novas enchentes.