José Teixeira Belém está em Passo Fundo há 40 anos. Chegou na cidade na década de 1980 com a esposa e quatro filhos quando ainda era um pastor da Igreja Batista. Casou pela segunda vez na década de 1990 e teve mais dois filhos. Criado na roça, construiu sua vida baseada no respeito à natureza.
É conhecido como José da Compostagem graças a seu método inovador de compostagem aeróbica de resíduos orgânicos domésticos, com umidade controlada. O principal benefício é a capacidade de recuperar um solo degradado, restituindo seu equilíbrio, se aproximando do papel da natureza. Além de transformar o solo, o projeto também transforma descartes de origem vegetal e animal em adubo universal que pode ser utilizado em hortas, pomares, gramados e jardins. Entre as curiosidades do processo é que não produz cheiro e ainda consegue chegar ao adubo pronto em apenas 30 dias, tempo considerado rápido.
Sua agro compostagem está localizada na antiga Associação dos Moradores da Vila Colussi, interior de Passo Fundo. O espaço de chão batido e parede bruta reserva muito conhecimento, tanto é que profissionais como biólogos, agrônomos e gestores visitam frequentemente o local para conhecer e aplicar o método, criado após 30 anos de estudo, pesquisas e ensaios.
Nascido na roça, criado em meio à natureza
José se autodenomina mestiço. Conta que é uma mistura de português, negro e judeu. Filho de camponeses, nasceu na roça, em março de 1949, na divisa entre a floresta e o cerrado da região centro-oeste do Mato Grosso, na cidade de General Carneiro, próximo à divisa com Goiás.
É o terceiro de 11 irmãos, ajudou a família na roça que servia de subsistência. Aos 16 anos, ainda analfabeto, falou para o pai que gostaria de estudar, pois soube que assim teria uma vida melhor. Recebeu apoio e assim foi para a cidade de Guiratinga em busca de aprendizagem.
— Eu fui na cara e na coragem. Sabia plantar, colher, processar, nossa carne era guardada desidratada. Sabia produzir o alimento do começo até a panela, isso me ajudou muito na minha caminhada. Eu tinha habilidades que o povo da cidade não tinha. Então trabalhei como auxiliar de eletricidade, em uma fábrica de mosaico e outras tantas.
José foi para Rondonópolis fazer o curso científico. Começou a frequentar a Igreja Batista e acabou sendo convidado, aos 25 anos, a ir para a capital do Paraná, Curitiba, para concluir o ginásio, hoje Ensino Médio.
Cursou Técnico em Turismo, em plena ditadura militar e confessa ter ficado deslumbrado com a cidade grande. Sozinho em sua caminhada, trabalhava muito e soube desde cedo sobre autonomia.
— Aprendi que o estudo precisa ser vinculado com a vivência. Fui para o Seminário Batista em Curitiba e no final do científico fui chamado para estudar Teologia, com meia bolsa de estudos. Não pensei duas vezes. Estudava espanhol, francês e inglês no científico e no Seminário aprendi grego e hebraico.
Recebeu meia bolsa e prestava serviços de eletricista e jardineiro para completar a outra metade. Aos 32 anos terminou o bacharel de Teologia e no mesmo ano casou com a gaúcha Lia Helena, aluna do curso de Música.
Tentou ser pastor durante três anos, mas percebeu um choque entre a doutrina e sua maneira de pensar. Mesmo assim o convidaram para conhecer uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, que estava à procura de um pastor com ideias avançadas. E assim, José e Lia e os quatro filhos que o casal teve, três meninos e uma menina, vieram para Passo Fundo, no norte do Rio Grande do Sul.
De 1983, quando chegou no município, a 1985, exerceu a profissão de pastor, mas abandonou o Ministério Pastoral.
— Eu nasci na roça, no mato. Sou um homem comum, mas com muita curiosidade e assim pude me livrar dos piores professores, das piores doutrinas, das ideologias e me encantar com a natureza. Isso se deve eu ter nascido no mato, caçando os bichos e colhendo os frutos. Essa vivência com a natureza foi que deu anticorpos para me defender da escravidão da nossa cultura imposta.
A busca por uma nova profissão
Em meados de 1985, depois de decidir que não seria mais pastor, Belém não sabia qual profissão seguiria, qual seria seu destino e como manteria sua família.
Foi então que depois de entrar em um supermercado na Avenida Brasil, ele se deparou com um balcão refrigerado e ali visualizou massas para pizza, trazidas de outras cidades.
— Quando eu morava em Curitiba comprava massa fresca e notei que aqui as massas vinham de fora. Foi nesse momento que pensei em fazer uma fábrica de massa de pizza, para alimentar meus filhos e vencer a crise financeira e existencial que eu estava. Muitas pessoas me ajudaram nesse momento, vizinhos, amigos. Um senhora da etnia italiana, já falecida, me ensinou uma receita de massa de pizza maravilhosa. Fiz amostras, distribuí na vizinhança, na época morava na Vila Hípica.
Belém se divorciou da esposa no mesmo ano, comprou sua parte na empresa e mantém a empresa até hoje.
Nesse meio tempo, em 1998, conheceu Sônia Toscan, com quem está casado há 25 anos e teve mais dois filhos. Ambos trabalham na empresa.
O respeito pela natureza e a busca por um caminho próximo à agricultura orgânica
Mantendo o cuidado com o meio ambiente, separando o lixo orgânico do seco, Belém conta ser um curioso nato pelos processos da natureza. Naquele período já estudava o processo da minhocultura e fazia adubo em casa.
Estudou decompositores e teve a ideia de montar uma usina. Soube de um curso no Centro de Formação Técnica de Viçosa (MG) e fez, de forma remota, o curso de Técnico em Agricultura Orgânica.
— Naquele momento entendi que poderia fazer meu adubo. Eu fiz o curso há oito anos, mas já reformei tudo o que aprendi, melhorei e otimizei processos. Logo depois montei minha própria usina de compostagem.
Hoje Belém recolhe resíduos de frutas e verduras em escolas e fruteiras. Por iniciativa própria implantou um projeto na Escola Municipal Senador Alberto Pasqualini, no bairro Vera Cruz. Ele coleta os resíduos orgânicos do local e transforma em adubo, devolvendo para a escola parte do que produz. Além disso faz palestras em escolas públicas, sobre a qualificação dos resíduos sólidos. Já fez alguns trabalhos nas escolas Georgina Rosado, no bairro Lucas Araújo e Fredolino Chimango, no bairro Jaboticabal.
Na última semana esteve reunido com o promotor Paulo Cirne, que atua na Promotoria Especializada em Meio Ambiente em Passo Fundo, para mostrar seu método.
— Poderíamos aproveitar as quase 100 toneladas de resíduos orgânicos que a cidade produz por dia. Isso poderia ser transformado em subsídio para uma alimentação saudável, saúde para o meio ambiente e distribuição de renda para a comunidade. Lembrando sempre que devemos fazer educação integrada com a ação. O segredo de tudo é a educação ambiental nas escolas e paralelamente fazer o trabalho prático — diz o técnico.
Ele acredita que cada escola da cidade deveria ter um laboratório, com um minhocário, utilizando os resíduos orgânicos para transformar no método microbio compostagem, que não produz cheiro.
— Assim poderíamos mostrar aos alunos a lei do retorno do orgânico à natureza e o que chamam de segurança alimentar. Temos um solo privilegiado em Passo Fundo. Os terrenos baldios da cidade são de encher os olhos, há muita fertilidade. Daria para produzir toneladas de alimentos.
GZH Passo Fundo
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