Neste domingo (14), completam-se cinco anos da tragédia que abalou o mundo do futsal. No dia 14 de julho de 2019, a delegação do Passo Fundo Futsal retornava de Uruguaiana após um jogo. Durante a madrugada, o ônibus que transportava a equipe sofreu um acidente que deixou feridos e vitimou o jogador Pablo Yago Radaeli, 22 anos, que morreu na hora.
Meia década depois, um dos personagens que estava no acidente relembra os momentos de tensão. Sandi Vieira, roupeiro e massagista da equipe, ficou internado em estado grave por oito dias. Após o episódio, ele continua trabalhando pelo clube.
O acidente
A equipe estava disputando a primeira divisão do estadual pela primeira vez em cinco anos de história. O time havia sido derrotado pela Uruguaianense por 4 a 0 naquela noite e a viagem de retorno para Passo Fundo era longa. Alguns jogadores dormiram. Outro grupo, com Sandi, se reuniu no fundo do ônibus para jogar baralho.
— Era por volta da 1h40min e a gente estava terminando a nossa partida de caixeta. A gente se preparava para jogar mais uma e nisso eu me levantei para pegar água no fundo do ônibus. O (atleta) Rafa Missio estava de pé e me pediu para alcançar uma água. Alcancei um copo para ele e o ônibus deu um solavanco. Aí eu bati a cabeça no micro-ondas que tinha no ônibus, depois na porta do banheiro e fui arremessado para frente — contou Sandi.
O ônibus, que conduzia 15 pessoas, saiu da pista após o motorista perder o controle, e caiu em um barranco de oito metros de altura na rodovia BR-472, em Itaqui.
— Quando eu acordei, o ônibus estava tombado de lado e eu caído sobre as janelas — recordou.
Sandi lembra que logo iniciou a movimentação dos jogadores e da comissão técnica dentro do veículo.
— Eu acordei com um barulho do motor do ônibus funcionando ainda. Logo depois, desligaram e ficou silencioso, e ouvia o pessoal se mexendo para sair.
Já sabia naquela hora que eu tinha quebrado as costelas. Parecia que alguma coisa agarrava meus pulmões.
SANDI VIEIRA
Roupeiro do Passo Fundo Futsal
— Eu tinha muita dor. Mas ouvi uma respiração forte embaixo de mim. Eu poderia estar esmagando alguém e era o Ceccato. Eu tentei me agarrar em um dos bancos para sair dali, mas na mesma hora senti uma dor muito forte no peito.
Então, começaram os momentos de sofrimento para o roupeiro do Passo Fundo Futsal. Enquanto os colegas de time se ajudavam para sair do veículo, Sandi precisou aguardar mais de uma hora pelo resgate. Com o frio e a chuva, alguns jogadores ficaram no interior do veículo e o cobriram com um cobertor até que a chegada da ajuda. Mas os momentos foram de angústia.
— O Ribeirão ficou comigo e logo chegou o Rafa Missio. Eu estava com a cabeça prensada contra a poltrona e o Rafa ficava empurrando a poltrona para não me machucar, mas às vezes ele cansava e não conseguia segurar por muito tempo.
Do lado de fora do ônibus, jogadores se esforçavam para cavar no barro e quebrar galhos de árvores para chegar até a estrada. Sandi lembra que os atletas que estavam bem tentavam ajudar outros que estavam feridos. Ele recorda da correria em torno de Radaeli. O jogador estava sentado em uma das poltronas ao lado do roupeiro da equipe.
- O Radaeli estava dormindo. Lembro que cerca de 20 minutos antes do acidente ele se ajeitou na poltrona e deitou com o travesseiro encostado na janela – disse.
— Depois do acidente, conseguia ver o Farinha e o Toiço (preparador físico) tentando fazer os primeiros socorros. Quando o Samu chegou, eu pedi para eles darem uma olhada no Radaeli antes, mas daí o socorrista me disse que ele já tinha falecido.
Mesmo com os socorristas no local, o resgate não foi fácil.
— Tiveram que sair pela saída de emergência, e estava uma garoa com frio e tinha que subir um barranco comigo —afirmou.
Sandi foi levado para o hospital de São Borja. Depois, foi transferido para o Hospital de Clínicas, em Passo Fundo. Ele teve 11 costelas fraturadas, sete do lado direito e quatro do esquerdo. Lesionou ainda os dois braços e teve duas perfurações no pulmão. Os outros atletas foram atendidos e liberados.
O ídolo Radaeli
Apesar de jovem, Radaeli era considerado um dos ídolos do clube. Ele havia chegado ao time em fevereiro e logo houve uma forte identificação entre torcida e jogador. Radaeli marcou 15 gols pelo time na temporada 2019. Antes do Passo Fundo, já havia vestido a camisa do Minas, da Uruguaianense e da ASIF, de Ibirubá.
Ele foi velado no Ginásio Capingui, onde o Passo Fundo Futsal mandava os seus jogos na época, contando com a presença de jogadores e torcedores do time. Depois, o velório continuou em Novo Hamburgo, sua cidade natal.
— O Radaeli era um cara muito gente fina, sempre alegre, sempre feliz, brincava bastante, era um bom jogador. Se ele estivesse entre nós, certamente, estaria jogando fora do país, ou entre os grandes do Brasil. Ele tinha todo o talento para ser um baita jogador — disse Sandi.
O retorno do time
O Passo Fundo Futsal demorou para retornar às quadras. O time voltou a jogar mais de dois meses após o acidente, no dia 20 de agosto, contra o Pato Futsal, que era o atual campeão da Liga Nacional. A partida foi marcada por muita emoção e homenagens, no Ginásio Capingui, que estava lotado.
No primeiro ano na primeira divisão, a equipe chegou até a semifinal e terminou na terceira colocação. Na temporada seguinte, o clube chegou até a final, ficando com o vice-campeonato. Cinco anos após o acidente, o Passo Fundo Futsal segue em busca do primeiro título do Gauchão e também participa do Campeonato Brasileiro.
Trabalho que segue
Vieira precisou de quatro meses para se recuperar. Ainda hoje convive com dores diárias por conta do acidente. Apesar disso, segue trabalhando no Passo Fundo Futsal.
Na época do acidente, ele se dividia entre os trabalhos em uma churrascaria durante o dia e com o futsal à noite. Hoje, se dedica de forma integral ao clube. Apesar do trauma vivido há cinco anos, ele não pretende largar a sua função.
— Quero ajudar sempre o Passo Fundo Futsal. Agora disputando o Brasileirão, que é um passo a mais que o time deu. E tá legal. Nunca tinha andado de avião, agora já andei três vezes. são coisas que o futsal deu oportunidade para nós — contou.