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Até R$ 1/kg a menos
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Preço pago por reciclagem cai e cooperativas buscam alternativas para ampliar renda

Recicladores precisam trabalhar mais para atingir os valores que eram praticados até o ano passado

Maicon Parizotto

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Os trabalhadores da reciclagem viram uma redução importante nos ganhos no último ano. Em Passo Fundo, as três empresas conveniadas com a prefeitura para a separação e destinação do lixo reciclável registraram redução de até R$ 1 no preço pago pelo quilo de resíduos como garrafas pet, latinhas e papelão

Em dezembro de 2022, por exemplo, o valor pago por um quilo de latinha era de R$ 5,20 e, hoje, não passa de R$ 5. O mesmo aconteceu com o papelão, que caiu R$ 0,15 (confira abaixo). Na prática, a consequência é que os recicladores precisam trabalhar mais para atingir os valores que eram praticados até o ano passado

Até o ano passado, era possível faturar R$ 130 mil produzindo 100 toneladas, segundo levantamento da cooperativa Recicladores do Parque Bela Vista (Recibela). Em janeiro deste ano, a entidade vendeu 112,5 toneladas de material reciclado e recebeu R$ 114,6 mil. No mês passado, foram 140 toneladas de material reciclado e R$ 99 mil de receita, uma redução de R$ 31 mil na comparação com o primeiro mês de 2023.

Segundo o Vinícius Luís Balbino, assessor do Projeto Transformação, que presta atendimento às cooperativas do município, a queda nos valores dos produtos se deve ao fato de que o mercado está mais competitivo, uma vez que aumentou a oferta de matéria-prima reciclada.

— Até poucos anos atrás, a reciclagem era quase que exclusiva da população mais pobre. Agora, temos uma mudança chave: os resíduos passaram a ter uma valorização econômica interessante e atrativa para as grandes empresas, que passaram a vender os resíduos gerados por elas. Antes nós tínhamos aqui em Passo Fundo só as cooperativas de reciclagem, hoje nós temos as cooperativas e empresas de fora da cidade que buscam o resíduo no município e revendem fora. Desse modo, nós lidamos com uma concorrência muito grande — disse. 

Durante a pandemia, o valor de compra dos materiais estava mais alto por causa das restrições internacionais. Ou seja, muitas companhias brasileiras recorriam à matéria-prima reciclada dentro do país para a produção industrial. 

Em outubro de 2022, porém, os preços pagos pelos materiais reciclados despencaram depois da isenção dos impostos para a importação de matéria-prima industrial, que inclui os materiais recicláveis. Como consequência, o Brasil bateu recorde em importação de plástico, vidro e papelão, e grandes empresas pararam de comprar esses materiais internamente, que antes eram comercializados pelos recicladores.

Segundo informações do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, isso fez com que o mercado entrasse em colapso e afetasse diretamente a renda dos recicladores e cooperativas. Em agosto deste ano, a importação do produto voltou a ser taxada, mas, conforme a entidade, o mercado não se alterou.

— Depois da pandemia, o país começou a importar resíduos de fora em vez de utilizar o que é produzido aqui pelo fato de ser mais barato. Isso faz com que sejamos obrigados a baixar o valor para sermos competitivos — completou Balbino.

Nem tudo é reciclado

Todos os dias, Passo Fundo produz cerca de 200 toneladas de lixo. Do volume, apenas 6% é reciclado. Os resíduos são destinados a três cooperativas de recicladores conveniadas com a prefeitura para a reciclagem. São elas: 

  • Cooperativa Amigos do Meio Ambiente (Coama)
  • Cooperativa Mista de Produção e Trabalho dos Empreendedores Populares da Santa Marta (Cootraempo)
  • Associação de Recicladores Parque Bela Vista (Recibela)

Só a Recibela, por exemplo, conta com 67 cooperados. Desses, 60 atuam na triagem e destinação dos resíduos. O salário é compatível com as horas trabalhadas e o total produzido. Ali, todo o trabalho é mecanizado. 

Mas nem tudo está apto a ser reciclado: o fato do lixo seco chegar misturado com o orgânico dificulta a separação, que é realizada por pessoas estrategicamente posicionadas em uma esteira. Grande parte do material que chega ao depósito é enviado para um aterro em Vitor Graeff.

— Estimamos que poderíamos reciclar até 80% da carga que vai para o aterro, mas como o material vem misturado, orgânico com seco, móveis e eletrônicos, muita coisa se perde e o trabalho fica mais demorado — disse Balbino. 

A situação é parecida na Cootraempo, que conta com 12 cooperados.

— O reciclador é um ser humano. Em outras condições, ninguém gostaria de estar lidando no lixo que sobrou dos outros. É complicado saber que aquilo que alguém joga fora é a forma que outras pessoas têm para pagar água e se sustentar. Ninguém tem culpa de ser um reciclador,  mas é a última saída para muitas pessoas. Apesar disso é um trabalho digno e que precisa ser valorizado — afirmou a presidente da entidade, Mara de Lurdes Sampaio Lui.

Alternativas para ampliar renda

A fim de reverter esse cenário, as cooperativas já estudam formas de aumentar a quantidade de resíduos reciclados. A Recibela, por exemplo, trabalha com a reciclagem de óleo de cozinha, enquanto a Cootraempo passou a criar objetos decorativos com artefatos que encontra no lixo. A entidade conta com uma oficina de artesanato com 10 mulheres integrantes.

Um dos clientes mais antigos do grupo é o Natal Ecológico do Boqueirão Legal, que encomenda os enfeites feitos pelas cooperadas desde a primeira edição, há 15 anos. Em 2023, o grupo confeccionou 200 sinos de natal. Jaqueline Nunes do Carmo, 28 anos, atua no grupo há mais de 10 anos. O serviço incrementa o salário, uma vez que ela também trabalha na reciclagem da cooperativa.

— O que a gente faz ali é algo gratificante. Pois de certa forma estamos deixando a cidade mais bonita — disse. 

Além do Natal Ecológico do Boqueirão Legal, as integrantes da oficina também podem vender os enfeites de forma autônoma, além de ser comum serem contratadas por empresas da cidade.

— Para nós, o lixo é luxo. As pessoas não têm noção do que é possível transformar daquele resíduo que é descartado como sem utilidade. Antes de ir para o lixo, a gente transforma esse material e ele vira o salário de alguém — pontua.

Prefeitura repassa cerca de R$ 900 mil por ano

Todo o material recolhido em Passo Fundo é destinado a associações e cooperativas de recicladores conveniadas com a prefeitura. Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o índice é superior ao registrado no resto do país. O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) aponta que, em 2022, apenas 2,1% de todos os resíduos produzidos foram reciclados. 

Maicon Parizotto / Agencia RBS
Cooperativas de reciclagem de Passo Fundo somam 100 trabalhadores

De acordo com a pasta, desde 2017 o município de Passo Fundo tem contrato com cooperativas de reciclagem, as quais somam em média 100 trabalhadores. Anualmente são repassados às cooperativas aproximadamente R$ 897,7 mil.

— Além disso, neste ano foram liberados mais de R$ 600 mil para aquisição de equipamentos a fim de qualificar o trabalho desenvolvido pelas cooperativas, como empilhadeira, prensas e exaustores. Ainda há processos licitatórios tramitando para aquisição de equipamentos e melhorias nas estruturas das cooperativas. Ademais, além dos valores já fornecidos para as entidades, os cooperados estão recebendo uma cesta básica por mês — disse o secretário de meio ambiente Rafael Colussi. 

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