Do Rio Grande do Sul, de Passo Fundo e tratando "todo mundo com muito respeito". Assim, ao pé da letra, Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, se tornou o artista mais popular do Estado: sempre honrando suas origens e exaltando a figura do gaúcho do interior. A frase acima, que se tornou uma identidade de Passo Fundo, no norte do RS, foi trilha de um dos filmes do cantor, que rompeu barreiras no último século ao levar milhares de gaúchos ao cinema.
Gravado em Passo Fundo e lançado em 1978, o filme O Gaúcho de Passo Fundo retrata Teixeirinha como herói e artista na cidade em que viveu a partir dos 30 anos, mas que adotou com sua terra natal — ele nasceu em Rolante, na Região Metropolitana. Entre as façanhas interpretadas pelo astro, o espectador passeia pelas locações gravadas pela cidade, incluindo a Praça da Cuia e o plenarinho da Câmara de Vereadores.
O resultado foi um verdadeiro sucesso: muitos ficaram sem ingresso para as primeiras sessões e disputavam seus lugares na fila. Tamanha comoção foi a combinação de dois fatores: o carisma e talento do cantor e a necessidade da comunidade de construir a sua identidade e se ver representada pela primeira vez dentro de seus costumes e rotinas gaúchas, como analisa o mestre em história João Vicente Ribas:
— Naquela época não se tinha tanta informação, se falava muito em globalização com o surgimento da televisão e havia o receio das cidades do interior perderem suas identidades e consumir apenas o que vinha de fora. Foi ali que Teixeirinha construiu a identificação de Passo Fundo: as pessoas se agarraram em símbolos, ícones e práticas que falavam de sua terra, de como vivem, e parece que ele soube oferecer isso de forma potente, e teve muita aceitação.
Teixeirinha construiu a identificação de Passo Fundo. Ele soube oferecer isso de forma potente, e teve muita aceitação
JOÃO VICENTE RIBAS
mestre em História
Mas para o sucesso ser tanto, Teixeirinha enfrentou algumas batalhas nos bastidores. Uma das filhas, Márcia Bernadeth Lima Teixeira dos Santos, 60 anos, conta que, nos preparativos, o pai chegou a trocar o diretor após receber o primeiro roteiro e encerrou uma viagem de família para ajustar os detalhes que discordava no longa.
Já durante as gravações, a rotina era puxada. Márcia relembra que o pai conciliava as apresentações com as filmagens, para conseguir bancar a continuidade longa:
— Ele não parava, seguia com os shows porque era de lá que saía o dinheiro para pagar os filmes. Então quando acabava, depois de uns 40 dias gravando, ele ficava em casa uma semana só dormindo, me lembro muito bem — relata Márcia.
O sucesso do Gaúcho de Passo Fundo
A obra representa Passo Fundo através de um olhar gauchesco, mostrando as paisagens e a cultura local por meio de danças típicas e interpretação de músicas. Mesmo de forma amadora, em uma época em que o cinema no Brasil ainda era precário, o público foi tão envolvido na trama que apoiou do início ao fim.
— Na cidade todo mundo foi assistir e a maioria estava envolvida. Ou estavam no filme ou conheciam alguém ou queriam ver sua rua e sua casa aparecer no longa. Todo mundo queria ir para o cinema — conta Ceia Giongo, filha de um dos atores do filme.
Pai de Ceia, o empresário Paulo Giongo interpretou um médico que trata a saúde de Mary Terezinha, par de Teixeirinha. Farmacêutico bioquímico e bacharel em Direito, Giongo sempre teve envolvimento com teatro e jornalismo e aceitou o convite para participar do filme.
— O Teixeirinha tinha a barraquinha de Tiro ao Alvo em um dos terrenos do meu avô e foi ali que ele e o pai se aproximaram e surgiu o convite. Depois disso tudo, do sucesso que foi filme, ele brincava que as pessoas passaram a chamar ele na rua de “doutor Paulo”, pois realmente achavam que ele era médico — relembra Ceia.
Quanto aos bastidores, Ceia também relata sobre o amadorismo da trama. Os cenários eram construídos a partir do que se tinha nas casas, sem alteração alguma. As filmagens gravavam as falas e havia cortes após cada interação. Os equipamentos de microfone por vezes vazavam em cena, mas sem atrapalhar a obra.
Fã invadiu set para aparecer no filme
Teve quem fez de tudo para participar do filme, mesmo sem estar escalado no elenco. O empresário e fã de Teixeirinha, João do Prado, aparece em cena gravada aos fundos de onde hoje está localizado o Cais Petrópolis. A participação foi um desespero do fã, que desde pequeno tinha Teixeirinha como seu maior ídolo, e se camuflou em meio aos figurantes para estar no filme.
— Quando soube que estavam gravando, saí desesperado de casa. Peguei até uma blusa da minha irmã, listrada, porque era a melhor que tínhamos. Na cena, estou com meu sobrinho no colo, que hoje já tem 45 anos, e abrimos caminho para o Teixeirinha passar a cavalo. Depois que estreou, fiquei encantado, maravilhado, é uma loucura de fã, difícil de pôr em palavras — comenta.
O amor de fã é alimentado em João desde criança. Natural de Redentora, ele cresceu no interior e tinha as letras de Teixeirinha como uma valorização da simplicidade da rotina dele e da família. Quando completou 15 anos, decidiu se mudar para Passo Fundo, cidade que ouvia seu ídolo tanto falar e se orgulhar. Hoje, aos 67 anos, o amor pelo artista permanece intacto, e o aposentado gerencia um rancho em homenagem ao astro no Parque de Rodeios.
— O sentimento de fã é algo que emociona, faz a alma da gente ter sentido. Nesses anos de admiração eu tive a graça de conhecer e me aproximar da família dele. Mas algo que eu não me conformava era o fato de ele não ter um endereço em Passo Fundo, por isso fundei o rancho.
Teixeirinha e o amor por Passo Fundo
A filha Márcia Teixeira explica que o amor do pai por Passo Fundo do pai nasceu do carinho das pessoas e da vida que levava na cidade. Foi de Passo Fundo que Teixeirinha saiu para “o mundo”, emplacando os primeiros sucessos nacionais, o que acarretou na mudança para a capital gaúcha para facilitar o deslocamento.
Teixeirinha é, até hoje, a primeira referência que se tem da cidade, ele faz parte dos signos do entorno de Passo Fundo
JOÃO VICENTE RIBAS
mestre em História
— Passo fundo está no nosso DNA, meu pai tinha muita gratidão. Chegou recém-casado, saído de Soledade. Ele tinha conseguido um dinheiro de um show em Erechim, juntou com uns trocos da mãe e se mudaram. Ela tomava conta de uma banca de Tiro ao Alvo e ele fazia show. Um dia apareceu um paulista que disse que apresentaria ele numa gravadora em São Paulo. Quinze dias depois, ele recebe um telegrama da gravadora convidando-o para trabalhar. Foi até lá de trem e gravou os primeiros sucessos que estouraram, no disco Coração de Luto.
No fim da vida, durante tratamento de câncer, a filha relembra que o desejo de Teixeirinha era retornar a Passo Fundo para envelhecer na cidade. O pedido não teve tempo de ser concretizado: o artista morreu em casa aos 58 anos, vitimado por um câncer linfático, em dezembro de 1985.
O amor e doação de Teixeirinha pela cidade o rendeu uma praça com seu nome, no centro de Passo Fundo. Uma escultura feita de sucata e metais relembra o cantor, em trabalho do artista plástico Paulo Siqueira (veja acima). O monumento foi inaugurado em setembro de 1991, idealizado pelo Poder Legislativo.
Já no Parque de Rodeios da Roselândia, um dos ranchos leva o nome de Victor Mateus Teixeira, criado pelo empresário e fã João do Prado. O local reúne itens pessoais do ídolo, os quadrinhos assinados por ele, além de imagens e estátuas. É possível reservar o local para passeio ou eventos através do contato (54) 9144-5722 (João do Prado).
Centenário em 2027
No último dia 3, a Fundação Vitor Mateus Teixeira lançou uma preparação para comemorar o centenário de Teixeirinha em 2027. O primeiro passo foi a criação da Rádio Teixeirinha, disponível online pela plataforma Superaudio.
— Estamos preparando a campanha "Teixeirinha: 100 anos para sempre", mas como tudo demanda custo e tempo, buscamos parceiros e ideias de projetos. Estamos abertos para que as pessoas tragam suas opiniões — adianta Marcia Teixeira, filha e diretora da Fundação.
Entre as ideias, também está sendo prevista uma cavalgada em homenagem ao cantor, partindo da estátua em Passo Fundo até o cemitério onde está o túmulo, em Porto Alegre. Para acompanhar sobre as homenagens previstas, siga @100anosteixeirinha no Instagram.
Memórias daqui
Esta é a segunda de uma série de reportagens sobre acontecimentos marcantes da cidade em homenagem ao primeiro ano de GZH Passo Fundo. Na primeira, relembramos a vinda dos Mamonas Assassinas a Passo Fundo, em 1996. Acompanhe os próximos conteúdos exclusivos ao longo dos próximos dias.