O ano era 1996 e os Mamonas Assassinas rodavam o Brasil com os hits do seu primeiro e único álbum, lançado no ano anterior. Em 14 de fevereiro, o grupo que ganhou a simpatia do Brasil com suas músicas engraçadas e populares levou uma multidão para Passo Fundo, uma das últimas cidades a presenciar um show da banda.
O show no Estádio Vermelhão da Serra começou às 21h e reuniu milhares de fãs. Mais cedo naquele dia, uma multidão também tentava autógrafos da banda em frente ao hotel que hospedava o quinteto, na Rua Coronel Chicuta, no centro da cidade.
Na época, o grupo estava no auge: Dinho, Bento, Samuel, Júlio e Sérgio faziam shows sem parar há sete meses, já haviam vendido 1,8 milhão de álbuns e eram presença confirmada nos programas mais populares da televisão brasileira, o principal termômetro de fama da época.
Jornais locais da época contaram o fato. A manchete do Diário da Manhã registrava: "Irreverência e criatividade dos Mamonas Assassinas contagiam a população". Na reportagem, veiculada em 16 de fevereiro de 1996, o jornal narra a alegria contagiante do grupo.
"Mesmo quando as luzes se apagaram momentaneamente, as pessoas que foram assistir o espetáculo mantiveram o pique, cantando e dançando as músicas da banda paulista, enquanto seus integrantes faziam traquinagens no palco", lê-se na matéria.
Os sortudos que puderam vê-los ao vivo, no Vermelhão lotado, relembram com carinho da animação e irreverência da banda. Mesmo com um blecaute durante o show, o grupo não interrompeu o rock'n'roll que embalava as letras inusitadas.
Com menos de 20 minutos do show, o vocalista Dinho chama as pessoas que estão nas arquibancadas para o gramado.
— Eu queria saber de quem foi a ideia de colocar aquela galera lá longe. De quem é que foi a ideia? Teve alguém muito inteligente aqui, foi o Manoel da Suruba que fez isso? Eu queria pedir para o pessoal da organização que, por favor, liberassem as pessoas que estão lá em cima para poder vir aqui perto da gente. Por favor, libera eles. Por que eu não consigo ver eles daqui e eu duvido que eles estão conseguindo me ver de lá. Vem para a festa vocês também — diz Dinho, ao pedir que as pessoas se aproximem do palco com calma.
Enquanto a multidão descia das arquibancadas para chegar ao gramado, os Mamonas Assassinas cantaram "Será", de Legião Urbana. Na plateia, uma das pessoas que seguiu o caminho até a frente do palco foi a fã da banda, Magna Maria Mistura, hoje com 55 anos.
— Naquele dia, eu lembro de sair do trabalho e buscar minha sobrinha, que era muito fã também, para irmos ao show. Tinha muito movimento, para a época um show assim, eles estavam bombando. Pegamos ingressos para a arquibancada, estávamos com camisetas com as letras das músicas, foi incrível — lembra.
Ela vestia a camiseta em que se lia "você é meu chuchuzinho", em referência à música "Pelados em Santos", sua preferida, já que lembrava da Brasília que o pai tinha. Magna lembra como a multidão entoava sucessos como "Vira-vira", "Chopis Centis" e "Robocop Gay".
— Eles queriam a galera junto, não importava quem tinha pago mais ou menos o ingresso. A gente desceu e foi muito legal, a gente sentia que eles nos contagiavam com a alegria e irreverência deles, sem preconceitos — conta.
Odisseia para conseguir gravação
A quase dois mil quilômetros de Passo Fundo, na cidade mineira de Manhuaçu, Emerson Reis, 28 anos, vivia uma verdadeira saga em busca da gravação completa do show. Ele descobriu em um grupo dedicado aos fãs que um morador da zona rural do RS tinha uma fita VHS rara da apresentação.
— Eu entrei em contato com ele no privado e consegui negociar um modo para ajudar ele a capturar a fita. Ele conseguiu um gravador de VHS para DVD. Ensinei a gravar, por vídeo chamada, e depois ele levou o DVD gravado até uma lan house, pra poder colocar na nuvem. Fui colocando créditos para ele para manter um contato, pois ele não tinha condições de pagar a internet — relata Reis.
Após dificuldades de contato, o arquivo completo finalmente chegou ao e-mail de Emerson, mas dividido em 15 partes e com defeitos no vídeo. Ele juntou os trechos, restaurou a gravação e conseguiu disponibilizar o show inédito online em 8 de julho de 2022. Todo esse processo levou cerca de seis meses.
— Tenho outros arquivos inéditos dos Mamonas que tivemos um trabalho para conseguir, mas o de Passo Fundo foi o mais complicado. O interesse do nosso grupo é recuperar a memória da banda, seja com qualquer tipo de foto ou vídeo, mesmo em VHS, porque a restauração é possível e é muito importante pra gente — acrescenta.
Hoje, o vídeo completo do show está disponível no YouTube e mostra alguns dos motivos para a popularidade meteórica do grupo, que morreu em um trágico acidente de avião na Serra da Cantareira, em São Paulo, em 2 de março de 1996. À época, os músicos estavam prestes a iniciar uma turnê por Portugal.
Além das habilidades musicais, sobra carisma de Dinho, Bento, Samuel, Júlio e Sérgio, que interagem com o público, fazem brincadeiras, dançam e cantam com energia até o último minuto.
— Vamos lá, Passo Fundo, canta junto comigo! Valeu galera, um beijo e até a próxima, se Deus quiser. Obrigado — entoa Dinho nas últimas notas de "Pelados em Santos".
Para colaborar
Se você tem algum material inédito dos Mamonas Assassinas, em qualquer formato, e deseja contribuir com o acervo da banda, Emerson disponibiliza o contato para ligação ou WhatsApp (33) 8448-9462.
Memórias daqui
Essa é a primeira de uma série de reportagens sobre acontecimentos marcantes da cidade em homenagem ao primeiro ano de GZH Passo Fundo. Acompanhe os próximos conteúdos exclusivos ao longo dos próximos dias.