O Rio Grande do Sul é um dos Estados brasileiros favorecidos pela natureza em relação ao potencial do transporte hidroviário, com diversos pontos navegáveis nos rios Gravataí, Jacuí, Taquari, Caí e Sinos, no Guaíba e nas lagoas dos Patos e Mirim. As vantagens econômicas e ambientais do modal deveriam levar a uma atenção especial para manter em condições adequadas os trechos que hoje são operacionais, elevando o seu uso ou ao menos evitando que mais extensões fiquem inviabilizadas por questões básicas como falta de dragagem.
A desatenção com alternativas para a movimentação de cargas força a necessidade de mais caminhões nas estradas
A enchente de maio trouxe novas dificuldades, com canais de navegação afetados pelos sedimentos carregados pela água, como registrou reportagem da edição de fim de semana de Zero Hora. Dragagens foram feitas em alguns pontos e outros receberão o serviço, o que é necessário para não interromper o fluxo de embarcações comerciais ou causar contratempos, como navios encalhados e situações que impeçam barcos de atracar. Casos, aliás, que ocorreram em Canoas e em Porto Alegre.
As vias navegáveis no Estado chegaram a somar 1,2 mil quilômetros nos anos 1970. Hoje seriam somente 770 quilômetros, conforme órgãos e entidades do setor, por onde transitariam apenas 3% da carga transportada no RS. Estima-se que existiria capacidade para superar a marca dos 10%, com a movimentação de grãos, celulose, petroquímicos, fertilizantes e outros produtos. Além da manutenção inadequada da profundidade dos corpos d`água, sinalização precária e obstáculos burocráticos para a criação de terminais privados são razões sempre citadas para o abandono paulatino de trechos.
Não se pode admitir que as adversidades criadas pela cheia desestimulem ainda mais o modal. Deve-se acompanhar as promessas de realização de estudos, batimetrias, dragagens e outros procedimentos para a recuperação das hidrovias, colocando-as ao menos em um patamar semelhante ao quadro pré-enchente. Idealmente, os investimentos previstos deveriam qualificá-las. Convém lembrar que as ferrovias que ligam o Estado ao restante do país também foram interrompidas, sem previsão de retomada. O panorama atual da logística de transportes do Estado, com o aeroporto Salgado Filho reabrindo de forma apenas parcial nos próximos dias, é bastante desafiador.
A desatenção com outras alternativas para a movimentação de cargas força a necessidade de se colocar mais caminhões nas estradas já saturadas. Acrescente-se ainda o fato de que várias rodovias do Estado, da mesma forma, sofreram avarias devido à enchente e ainda não foram plenamente recuperadas. Cabe à sociedade gaúcha cobrar o restabelecimento completo da infraestrutura do RS.
Do tema das hidrovias deriva a discussão sobre o desassoreamento de rios em pontos que não são usados para a navegação. A retirada de sedimentos desses cursos d`água é reivindicada por algumas comunidades pelo temor de que o acúmulo de materiais agrave novas enchentes. Especialistas advertem que essa estratégia poderia causar mais riscos, inclusive erosão de margens e mais assoreamentos. Compreende-se a angústia das populações traumatizadas, mas a decisão de fazer ou não intervenções do gênero deve ser tomada à luz do conhecimento.