Pautas corporativistas e extemporâneas, retrocessos legislativos, ameaças e agressões físicas, performances sob medida para redes sociais e voracidade por controlar fatias cada vez maiores do orçamento da União, sem igual cota de responsabilidade. Eis o resumo da atuação mais recente do Congresso brasileiro, como bem ilustram os últimos dias. Enquanto isso, matérias de real importância para o país parecem relegadas a um segundo plano.
Melhor faria a Câmara comandada por Arthur Lira, por exemplo, se centrasse esforços para votar a regulamentação da reforma tributária, tema estruturante aguardado há quatro décadas. Devido às eleições municipais, o tempo útil do parlamento brasileiro neste ano é menor. Começam agora as festas juninas, que costumam esvaziar o Congresso. O recesso de meio de ano tem início no próximo mês. Agosto é a largada da campanha eleitoral.
A energia dos parlamentares está focada em assuntos que sequer deveriam estar em discussão
Mas a energia dos parlamentares, neste momento, está focada em assuntos que sequer deveriam estar em discussão. Interessado em agradar às bancadas para fazer o seu sucessor na Casa, Lira ressuscitou um projeto de lei esquecido que proíbe delação premiada de presos. De surpresa, manobrou para aprovar a urgência para outra matéria, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio, inclusive em caso de estupro e com pena superior a este crime. O tema gerou manifestações contrárias contundentes da sociedade. A mobilização tende a fazer com que, ao menos por enquanto, a ideia não prospere. Fragilizado, sem base e sem articulação competente, o governo titubeia ou se omite em assuntos fora da pauta econômica.
A correlação de forças entre os dois poderes, aliás, merece análise mais profunda. O empoderamento do Congresso ante o Executivo, processo paulatino desde meados da última década, vem criando uma disfuncionalidade temerária, com potencial de agravar a já baixa qualidade do gasto público federal. O risco é de desperdício em especial dos minguados recursos que sobram para investimento dentro de um orçamento bastante engessado.
Mais poder deveria vir acompanhado de responsabilidade. Não é o que ocorre. Esse desbalanceamento é notado no controle de nacos crescentes de recursos por deputados e senadores, pulverizados em forma de emendas, atendendo a conveniências paroquiais. Obras, projetos e políticas públicas estruturantes, de maior impacto e de interesse para o desenvolvimento nacional, acabam desidratados na queda de braço em que o Executivo é vencido com facilidade. Um levantamento da Fundação Getulio Vargas indica que, em termos nominais, o valor empenhado em emendas passou de R$ 6,14 bilhões em 2014 para R$ 44,67 bilhões neste ano.
Trata-se de uma tendência eloquente na Câmara, onde reina o centrão, grupo sem linha programática clara ou visão de país. São parlamentares que se interessam, em essência, pela perpetuação no poder, pouco importa o presidente da República de plantão, o sucesso ou o fracasso de políticas públicas. Priorizam a distribuição sem critérios claros de pequenas benesses aos municípios onde cultivam aliados, que depois retribuirão o favor, ajudando-os na próxima eleição.
Outro subproduto dessa forma de política que se consolida é o desaparecimento, pela perda gradual de competitividade nas urnas, de legisladores com interesse e capacidade de debater os grandes temas nacionais. O baixo clero e os histriônicos vão se tornando cada vez mais dominantes. Perde o país.