Dificilmente um sistema de proteção contra cheias evitaria que a capital gaúcha sofresse as consequências da descomunal precipitação pluviométrica que se abateu sobre o Estado nos últimos dias. Mas é inegável que o polêmico muro da Mauá e o conjunto de diques construídos em torno da cidade apresentaram falhas estruturais graves, muitas delas decorrentes da negligência histórica de sucessivas administrações públicas com a manutenção desse equipamento destinado ao bloqueio de enchentes.
Prova inequívoca do descuido foram as brechas verificadas nas pesadas comportas de ferro do muro tão logo a água chegou à altura da contenção. O rompimento da comporta 14 no último dia 3, quando o nível do Guaíba ainda estava em 4m50cm, evidenciou a fragilidade da cortina em suas aberturas. Considerando-se o aumento da frequência de fenômenos climáticos nos últimos anos, é incompreensível que o sistema de vedação das comportas não tenha sido aperfeiçoado entre uma cheia e outra.
Parece não haver mais dúvidas de que o muro é imprescindível para deixar o Centro Histórico menos vulnerável a alagamentos. Mas também fica evidente, com a atual tragédia climática, que o equipamento precisa ser melhorado e receber manutenção técnica permanente
Construída entre 1971 e 1974, na administração do prefeito Telmo Thompson Flores, a barreira de concreto da Avenida Mauá nunca havia sido testada como foi agora, numa inundação que superou as marcas da histórica enchente de 1941. Desde então, as principais polêmicas em torno do muro concentraram-se nas questões estéticas e no fato de esconder parte do Lago Guaíba dos porto-alegrenses. Agora o ponto fulcral volta a ser a segurança.
Parece não haver mais dúvidas de que o muro é imprescindível para deixar o Centro Histórico menos vulnerável a alagamentos. Mas também fica evidente, com a atual tragédia climática, que o equipamento precisa ser melhorado e receber manutenção técnica permanente, para que efetivamente cumpra a sua função protetora.
Igual providência precisará ser adotada em relação aos diques de terra e pedras que protegem a zona norte da cidade, num total de 60 quilômetros às margens do Guaíba, do Rio Gravataí e dos arroios que neles desembocam. As imagens de operários despejando pedras nas proximidades do Arroio Feijó, quando a água já extravasava e provocava correria dos moradores da região, mostram um improviso incompatível com o planejamento que se espera das administrações municipais.
Além das comportas ineficientes e das falhas estruturais dos diques, precisa ser revisado com urgência o sistema de drenagem de Porto Alegre. Não se pode mais aceitar que as estações de bombeamento sejam tão vulneráveis a incidentes naturais e previsíveis numa enxurrada, como a falta de energia elétrica ou o próprio alagamento das áreas em que estão localizadas. A falha num desses equipamentos que retiram o acúmulo de água das partes baixas da cidade foi a causa da inundação que desalojou milhares de pessoas dos bairros Cidade Baixa e Menino Deus quando a chuva já havia cessado e o Guaíba parecia estabilizado.
O conjunto de problemas relatados não pode ser atribuído unicamente aos atuais gestores públicos da cidade, pois foram se acumulando ao longo de sucessivas governanças. Mas cabe a eles deflagrar o processo de correção, tão logo seja superada a urgência de socorro e abrigamento da população vitimada pela tragédia.