Mesmo com algum atraso, deve ser saudada a disposição das principais plataformas digitais que operam no país de colaborar para colocar um freio na onda de desinformação relacionada à tragédia climática no Rio Grande do Sul. Um protocolo de intenções com esse objetivo foi assinado na segunda-feira entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e representantes de Meta, TikTok, X, Google/Youtube, Kwai e Linkedin. Aguarda-se que possa produzir resultados efetivos.
Ainda que tarde, espera-se que as plataformas digitais sejam mais proativas para conter o caudal de desinformação
Tão logo se pôde dimensionar a extensão da catástrofe e a mobilização necessária para fazer frente às consequências da chuvarada, se iniciou uma torrente de fake news e posts maliciosos, que geraram efeitos bem mais graves do que desgaste de figuras públicas ou governos. A desinformação causou episódios de pânico entre a população afetada, atrapalhou esforços de resgate, mobilizou equipes para verificar situações falsas e desincentivou doações. Também proliferaram golpes por meios digitais usando a tragédia como isca.
O acordo firmado prevê que as empresas ficarão mais atentas em relação a conteúdos que violem os seus termos de uso. As plataformas, muitas vezes omissas pelos próprios interesses financeiros, comprometem-se ainda a promover informações confiáveis sobre as enchentes. É preciso cuidado, no entanto, para não confundir desinformação prejudicial e produzida com o intuito deliberado de enganar com críticas a administrações estatais ou a gestores. A liberdade de expressão, princípio constitucional a ser protegido, abarca reparos e opiniões contrárias à atuação de políticos ou órgãos públicos. O fato é que o volume de mentiras e distorções gerado a partir das cheias no RS lembrou outros episódios dramáticos, como a pandemia, e de forte polarização, como os períodos eleitorais.
Pesquisa da Quaest apontou que 31% dos brasileiros disseram ter recebido fake news sobre a tragédia gaúcha. Sabe-se lá quantos dos 69% restantes também foram destinatários de desinformação, mas não souberam identificá-la. Levantamento do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro detectou os principais conteúdos dolosamente falseados e apontou a busca por dividendos políticos como um dos grandes motivadores da disseminação. A Escola de Comunicação Digital da FGV Rio notou que as discussões entre usuários relacionadas à desinformação em plataformas e aplicativos de mensagens superaram até os conteúdos relacionados à tragédia e à solidariedade às vítimas.
Neste sentido, é meritório e oportuno o alerta conjunto de quatro entidades do sistema judiciário do Estado sobre os riscos da produção e do compartilhamento de fake news. As associações de juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), das defensoras e dos defensores públicos (Adpergs), do Ministério Público (AMP-RS) e dos procuradores do Estado (Apergs) lançaram na terça-feira o manifesto “Diga não à mentira”, lembrando as consequências danosas da disseminação de notícias falsas. O objetivo é conscientizar a população. Em abril, a Associação Riograndense de Imprensa (ARI), em igual linha, deu início a uma campanha na qual ressalta a importância de informações serem checadas com fontes confiáveis antes de serem compartilhadas.
É lamentável que uma das passagens mais dolorosas da história do Rio Grande do Sul seja vista como oportunidade para lucrar com o engajamento gerado por falsidades espalhadas no meio digital. Também entristece constatar o uso da catástrofe para gerar mais divisão política na sociedade, quando o momento deveria ser de incentivo à união. Ainda que tarde, espera-se que as plataformas digitais sejam mais proativas para conter o caudal de desinformação.