Em entrevista ao jornalista Rodrigo Lopes, publicada na sexta-feira em Zero Hora, o mestre em psicologia social Marcio Gagliato expõe algumas premissas sobre as quais a reconstrução do Rio Grande do Sul deve estar alicerçada para ser ainda mais sólida. Sua visão não advém somente da experiência acadêmica, mas da vivência ao atuar em outros desastres socioambientais e conflitos armados em vários pontos do mundo. Como consultor internacional, Gagliato tem colaborado com instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Apesar da dor das catástrofes, crises também abrem a perspectiva de o reerguimento criar estruturas mais resistentes a intempéries
Uma das principais lições reside na constatação de que, apesar da dor das catástrofes, crises também abrem a perspectiva de o reerguimento criar estruturas mais resistentes a intempéries, a partir de um planejamento voltado a minimizar a chance de repetição de estragos. “É fundamental que as ações de emergência, ao mesmo tempo que elas acontecem, possam ter uma visão de futuro”, resumiu Gagliato.
Na prática, significa que uma ponte derrubada por uma enxurrada deve ser reprojetada para não ceder à fúria das águas em novos eventos extremos. É um conceito que vale também para estruturas de contenção de cheias de cidades ou mesmo para a realocação de áreas residenciais para terrenos sob menor risco. Ao longo do tempo, frente às ameaças das mudanças climáticas, prejuízos serão evitados e vidas serão poupadas.
Felizmente esta ideia de reconstruir levando em consideração que o novo deve ser mais robusto do que o antes existente permeou também a apresentação de sexta-feira do governador Eduardo Leite sobre os esforços do Piratini para reedificar estruturas danificadas no Estado. O conceito está ainda no Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNDC), elaborado desde o ano passado por um grupo de especialistas de universidades e centros de pesquisa por encomenda do Ministério da Integração Nacional. Resta esperar que essa conscientização possa ser observada na prática, nas obras.
Mas, tão ou mais importante do que as questões técnicas, a coesão social e a união de diferentes atores são uma força diferencial na tarefa de reconstrução. O estímulo à divisão, que parte de minorias barulhentas, deve ser desconsiderado e dar lugar ao incentivo à soma de esforços para se produzir uma resposta à altura de uma crise sem precedentes no Rio Grande do Sul. Como coloca Gagliato, a coordenação geral das ações é papel do poder público, mas o aparato estatal – da União, do Estado e dos municípios – é insuficiente para prestar todo o auxílio necessário aos atingidos em grandes tragédias.
Nesse sentido, jamais será esquecido o desprendimento de voluntários anônimos, tanto das próprias comunidades afetadas quanto de outras regiões do país. Muitos se deslocaram ao Rio Grande do Sul por conta própria, apenas com o intuito de ajudar e salvar vidas, sem nada receber em troca, a não ser o conforto à alma pelo gesto de humanidade.
Voluntários e entidades privadas têm se somado a agentes públicos de várias áreas para levar aos desabrigados atendimentos de saúde, serviços odontológicos, atenção psicológica, entretenimento e educação para crianças, acolhimento especializado para famílias atípicas e cuidados com animais resgatados. Sem esquecer da solidariedade em forma de donativos que chegam sem parar para amparar quem perdeu tudo. São doações dos próprios rio-grandenses e dos demais brasileiros para os brasileiros do Rio Grande do Sul necessitados. Em um período de grave cisão política no país, é possível concluir que reconstruir melhor não se resume a obras físicas, mas às próprias relações humanas.