Enquanto a água da inundação que atinge o Estado não baixar, as prioridades dos governantes, autoridades e voluntários não podem ser outras além de salvar vidas, resgatar pessoas em situação de risco, abrigar flagelados e garantir-lhes alimentação, agasalho e condições dignas de subsistência até que recuperem seus lares, seus empregos e suas rotinas. Porém, antes que comece a etapa seguinte da reação coletiva ao desastre climático – limpeza, reconstrução e volta para casa –, é essencial que se previna e se alerte a população para um efeito colateral frequente em desastres ambientais deste tipo: a disseminação de doenças infecciosas.
Grandes enchentes acompanhadas de mudanças bruscas de temperatura, como está ocorrendo no Rio Grande do Sul, costumam ser seguidas de surtos de diarreia, problemas respiratórios, leptospirose, hepatite A e dengue. Porém, a adoção de atitudes preventivas pode evitar ou atenuar os riscos dessas enfermidades que tendem a sobrecarregar ainda mais um sistema de saúde já fragilizado pela própria cheia, que também atingiu hospitais e ambulatórios em várias cidades.
O contato direto com a água contaminada, tanto por parte das vítimas da inundação quanto de socorristas e voluntários, também representa um grande risco para a entrada de patógenos no organismo humano
Com esta visão preventiva, a Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede) publicou na semana passada uma série de recomendações voltadas especificamente para as vítimas e para os socorristas das enchentes no Rio Grande do Sul, tendo como base a prática de especialistas que atendem em pronto-socorros e pronto-atendimentos. O alerta da entidade destaca que, além das doenças comuns decorrentes da exposição à água contaminada, às privações e ao clima, há também o risco de acidentes provocados por animais, afogamentos, traumatismos e choques elétricos. Tudo isso tende a impactar a infraestrutura dos serviços de saúde.
Entre as principais medidas de prevenção recomendadas pelos médicos está o cuidado com o consumo de água e alimentos que podem sofrer algum tipo de contaminação. A desinfecção caseira da água é uma recomendação obrigatória, até mesmo porque o restabelecimento emergencial do fornecimento pela rede pública pode deixar margem para fragilidades no tratamento higiênico da canalização.
O contato direto com a água contaminada, tanto por parte das vítimas da inundação quanto de socorristas e voluntários, também representa um grande risco para a entrada de patógenos no organismo humano, alerta o presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia, Alessandro Pasqualotto. Estudos médicos baseados em eventos semelhantes mostram que, nos primeiros 10 dias após a catástrofe, as doenças que mais aparecem são infecções de pele, pneumonias por aspiração, infecções respiratórias virais e gastroenterites. E não é incomum que a contaminação ocorra durante o trabalho de limpeza das áreas alagadas, das residências e das lojas, pois a urgência faz com que muitas pessoas se exponham aos riscos sem o equipamento de proteção adequado.
Diante de tal perspectiva, não se pode esperar que o sistema oficial de saúde dê conta de tudo, ainda que seja de sua competência tratar os doentes, vacinar a população e orientá-la para se prevenir. Mas contribuir para atenuar esse efeito colateral da tragédia é tarefa de todos.