Com alguma demora, um mês após o início das chuvas que causaram a mais destruidora enchente já vista no Estado, o governo federal anunciou ontem um pacote de R$ 15 bilhões em financiamentos para apoiar o reerguimento de empresas gaúchas atingidas. O anúncio inclui companhias de maior porte, o que faltou após a enxurrada de setembro do ano passado no Vale do Taquari.
A prioridade é se certificar de que os empreendedores poderão acessar os recursos com a menor burocracia possível
As condições das operações, conforme exigia a gravidade da situação, são especiais. O elemento que melhor ilustra essa excepcionalidade é o juro de 1% ao ano para duas linhas que contemplam a compra de máquinas e equipamentos, obras e projetos de investimentos. Mesmo o crédito emergencial para capital de giro, fôlego indispensável neste momento, terá o juro de 4% ao ano, muito próximo da inflação projetada para 2024. Mais detalhes podem ser conferidos na página 7 desta edição.
No Brasil, todavia, costuma existir um hiato entre medidas governamentais anunciadas com estardalhaço e o que chega de fato à ponta. A prioridade, a partir de agora, é se certificar de que os empreendedores poderão acessar os recursos com a menor burocracia possível e sem as exigências convencionais. A promessa de agilidade e simplificação de processos por parte do governo federal foi reiterada ontem. Será preciso permanecer atento e cobrar caso surjam obstáculos até justificáveis em épocas de normalidade, mas não neste momento.
O amparo para o Rio Grande do Sul se reconstruir economicamente depende de ações sincronizadas em diversas frentes. A situação das empresas é distinta. Há companhias que foram afetadas pelas enchentes e aguardam ajuda financeira para voltar a operar. Outras, em importantes áreas da Região Metropolitana, sequer têm noção do prejuízo por ainda estarem com as instalações alagadas. Existe ainda o grupo que, mesmo sofrendo alguma perda, está apto a continuar a produzir e transacionar, mas tem a situação prejudicada pela logística. A dificuldade para receber insumos e despachar mercadorias, inclusive para fora do Estado, é um empecilho a mais. Assim, a atenção à recuperação das estradas também é basilar. Disso depende a sobrevivência de negócios e a manutenção de empregos.
O Rio Grande do Sul, além do fato em si de ser o quarto maior PIB do país, tem uma economia integrada com os demais Estados. Presta e recebe serviços, compra e vende para outras regiões. Um dos inúmeros exemplos está na indústria automobilística. A montadora Volkswagen teve de paralisar três unidades em São Paulo que recebiam peças fabricadas no Rio Grande do Sul. A catástrofe climática gaúcha também afetou as projeções nacionais de PIB e de inflação.
Dar suporte ao Estado em meio a uma tragédia sem precedentes, portanto, significa mais do que socorrer apenas os cidadãos, agricultores e empresários urbanos rio-grandenses. Trata-se de uma medida necessária para evitar solavancos na economia nacional.
Prefeituras e o Palácio Piratini têm suas atribuições e responsabilidades nos esforços para recolocar o Rio Grande do Sul de pé. Mas é o governo federal o ente público dono da maior capacidade orçamentária e de meios para criar instrumentos que possam contribuir para o Estado se levantar. É por esse motivo que as maiores expectativas e cobranças recaem sobre Brasília.
Ainda em relação ao excesso de chuvas, há ações listadas por Nobre que exigirão investimentos bilionários, como em infraestrutura preparada para resistir à força da correnteza, transferência de áreas povoadas de zonas de risco e preparação urbana para melhor armazenar e absorver o excesso de água advindo de enchentes, com o emprego de conceitos das cidades-esponja. O custo, sem dúvida, é alto. A outra opção é pagar para ver. Ocorre que o Rio Grande do Sul, da pior forma possível, é a prova de que negar os sinais das mudanças climáticas é o caminho para a tragédia.