Em participação ontem no Atualidade, da Rádio Gaúcha, o climatologista brasileiro Carlos Nobre, referência internacional em estudos sobre aquecimento global, reforçou o alerta sobre as consequências sombrias para a humanidade causadas pelas mudanças climáticas. Os efeitos de um planeta febril não são uma conjectura sobre como será o futuro. Seus reflexos estão presentes neste momento, na forma de uma devastação sem precedentes no Rio Grande do Sul, provavelmente a tragédia climática mais destruidora da história do país. Os principais trechos da entrevista estão na página 13 desta edição de Zero Hora.
Resta às regiões atingidas, como o RS, aprender as lições e colocar em prática medidas que aumentem a resistência aos eventos extremos
A ameaça já palpável do aquecimento global, lembrou Nobre, reside em eventos extremos com maior frequência e potencialmente cada vez mais violentos. Grosso modo, é como se as chuvaradas que atingiram o Estado na virada de abril para maio não fossem acontecimentos raros registrados a cada século, mas sim a cada década. Não se deve esquecer ainda que, sob um El Niño potente, os gaúchos, no intervalo de um ano, passaram por quatro episódios de chuvas torrenciais e duradouras que arrasaram cidades e deixaram um saldo funesto de quase 250 vítimas fatais.
Diante da comunidade global, está o desafio de diminuir as emissões de gases causadores do efeito estufa para frear a tendência de aquecimento do planeta até patamares que tornariam a Terra um ambiente bastante hostil. As perspectivas atuais, no entanto, não são animadoras. Cresce o ceticismo quanto à capacidade das lideranças mundiais chegarem a um consenso capaz de manter o aumento da temperatura abaixo de 2ºC em relação ao período pré-industrial, como prevê o Acordo de Paris, firmado em 2015. Assim, resta às regiões atingidas, como o Rio Grande do Sul, aprender as lições e colocar em prática medidas que aumentem a resistência aos eventos extremos e mitiguem seus efeitos. Vencer o imobilismo e agir localmente salva vidas e evita perdas materiais.
Doutor em meteorologia pelo afamado Massachusetts Institute of Technology (MIT), um dos principais centros produtores de ciência e tecnologia do mundo, Nobre cita ações com diferentes graus de custos e de complexidade para diminuir estragos causados por episódios do gênero. Entre elas, recompor a mata ciliar nas principais bacias hidrográficas e proteger florestas em áreas de encostas como forma de abrandar enchentes e a força de enxurradas. São medidas que, por combaterem a erosão do solo, também colaboram para reduzir o assoreamento dos rios, outro fator que influencia as cheias.
Conscientização e cumprimento da legislação vigente, como o Código Florestal, já seriam suficientes para avançar bastante neste aspecto. São iniciativas que também poderiam amenizar estiagens, outro fenômeno recorrente no Rio Grande do Sul que pode voltar nos próximos meses com o retorno do La Niña.
Ainda em relação ao excesso de chuvas, há ações listadas por Nobre que exigirão investimentos bilionários, como em infraestrutura preparada para resistir à força da correnteza, transferência de áreas povoadas de zonas de risco e preparação urbana para melhor armazenar e absorver o excesso de água advindo de enchentes, com o emprego de conceitos das cidades-esponja. O custo, sem dúvida, é alto. A outra opção é pagar para ver. Ocorre que o Rio Grande do Sul, da pior forma possível, é a prova de que negar os sinais das mudanças climáticas é o caminho para a tragédia.