É muito fácil levantar suspeitas e apontar culpados quando uma tragédia abrevia vidas humanas de forma tão cruel como ocorreu na madrugada de ontem, no incêndio da Pousada Garoa, em Porto Alegre. A comoção causada pelas mortes exige respostas imediatas e tende a gerar precipitações. Porém, embora seja mais sensato aguardar os resultados das perícias e das investigações policiais, não há dúvidas de que autoridades públicas e administradores do estabelecimento falharam nos cuidados, na fiscalização e na prevenção – desleixo fatal e inadmissível num Estado com memória traumática de sinistros semelhantes.
Não há dúvidas de que autoridades públicas e administradores do estabelecimento falharam nos cuidados, na fiscalização e na prevenção
A verdade inquestionável é que o hotel popular tinha convênio com a Fundação de Assistência Social e Cidadania, o órgão da prefeitura da Capital que trata do acolhimento de cidadãos, famílias e grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Além disso, segundo o Corpo de Bombeiros, o local não tinha alvará de funcionamento nem Plano de Proteção Contra Incêndios, o chamado PPCI. Mais: pelo testemunho de moradores e frequentadores, já se sabe que as instalações eram precárias e malcuidadas, tanto em relação à segurança quanto à higiene. Em resumo, mais uma armadilha construída pela imprevidência e pelo descaso, como nos célebres casos da boate de Santa Maria e da creche de Uruguaiana, que também causaram numerosas vítimas e chocaram a população gaúcha.
Há, portanto, culpados – e é imprescindível que essas pessoas sejam responsabilizadas na proporção exata de suas participações ou omissões na cadeia de incúrias que gerou a fatalidade. Porém, mais importante do que eventuais punições deve ser o trabalho de rescaldo voltado para a prevenção. Nesse âmbito, as falhas são mais amplas e coletivas, incluindo aspectos como o abrandamento da legislação protetora e a insuficiente fiscalização, que possibilitam o funcionamento de estabelecimentos comerciais, prédios residenciais e habitações sem as mínimas condições de segurança.
A população gaúcha, infelizmente, ainda não conseguiu adotar uma cultura de prevenção capaz de interromper o rastilho das tragédias antes do desfecho inexorável. Quando as autoridades não são suficientemente confiáveis e diligentes no exercício de suas obrigações, cabe ao cidadão fiscalizar, denunciar e exigir providências corretivas para não se tornar vítima do desmazelo.
Não podemos continuar convivendo com o perigo. E nem aceitando pacificamente que autoridades, representantes políticos e proprietários de estabelecimentos sinistrados fujam de suas responsabilidades. No caso recente, já é perceptível um certo jogo de empurra por parte de algumas pessoas ouvidas. Só falta tentarem culpar as vítimas que caíram na armadilha do desleixo porque não tinham outra alternativa de abrigo digno. O momento é de comoção e de compaixão pelos mortos, pelos feridos e por seus familiares e amigos, mas não se pode perder de vista a necessidade de investigação minuciosa que leve à responsabilização dos negligentes e à retomada de mecanismos eficientes de prevenção.