Na sua desmedida pretensão de aparecer aos olhos do mundo como herói da pacificação planetária e perante a esquerda mais radical como paladino das causas libertárias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta a comprometer a imagem histórica de neutralidade do Brasil ao criticar a estratégia de defesa israelense no conflito contra o grupo terrorista Hamas. Desta vez, foi além de todos os limites no seu absurdo retórico: criou um incidente diplomático com Israel ao comparar as ações bélicas daquele país na Faixa de Gaza ao Holocausto que vitimou 6 milhões de judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, portadores de deficiência e opositores políticos.
As manifestações despropositadas feitas durante a recente viagem do mandatário brasileiro ao Egito e à Etiópia já começam a gerar consequências incômodas para o país. Ontem mesmo, o governo de Israel anunciou a convocação do embaixador brasileiro para uma reunião de reprimenda que pode, inclusive, culminar em ruptura de relações diplomáticas. O próprio primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou que as declarações de Lula da Silva ultrapassam uma linha vermelha na histórica convivência harmoniosa entre as duas democracias.
O presidente Lula volta a comprometer a imagem histórica de neutralidade do Brasil ao criticar a estratégia de defesa israelense no conflito contra o grupo terrorista Hamas
No seu terceiro mandato, quando já deveria ter incorporado a prudência nos contatos com outros governantes em suas viagens internacionais, Lula vem se notabilizando ainda mais por declarações políticas inábeis. Não é a primeira vez que suas manifestações simplórias e contaminadas por convicções ideológicas ultrapassadas desconsideram a política cautelosa do Itamaraty na abordagem de questões geopolíticas complexas como o atual conflito no Oriente Médio. Quando cai na tentação do falatório, o presidente invariavelmente escorrega e escancara contradições. Sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia, igualou agressor e agredido. Agora, no Egito, voltou a criticar Israel na guerra contra os terroristas do Hamas, condenando os israelenses por não considerarem resoluções da Organizações das Nações Unidas (ONU) que pedem um cessar-fogo.
A incoerência fica clara quando se lembra que a ONU fez condenações semelhantes à Rússia sobre a invasão da Ucrânia. Foram posições, entretanto, que não encontraram a defesa veemente de Lula. O Itamaraty e o presidente, aliás, guardam intrigante silêncio sobre a decisão da semana passada do governo Nicolás Maduro de expulsar da Venezuela membros do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Na Etiópia, no domingo, o brasileiro exagerou no disparate ao mencionar o Holocausto, suscitando compreensíveis e pertinentes reações, como a da Confederação Israelita do Brasil (Conib), que considerou a comparação uma ofensa às vítimas do genocídio perpetrado durante a Segunda Guerra Mundial.
Lula se diz defensor da democracia, mas relativiza ou se cala quando arbitrariedades são cometidas por governos e autocratas da mesma linha ideológica ou que considera conveniente não contrariar por uma mentalidade embolorada da época da Guerra Fria. A hesitação em condenar violências flagrantes na Rússia, na Venezuela e na Nicarágua está aí para comprovar. Melhor seria que o presidente deixasse a diplomacia para os diplomatas e se dedicasse mais em 2024 aos problemas internos do país, que não são poucos.