Foram constrangedoras as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre uma possível detenção do mandatário russo Vladimir Putin no Brasil devido a um mandado expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) e acerca do próprio organismo. Questionado por uma jornalista indiana, assegurou que Putin não seria preso no território brasileiro, porque seria um desrespeito ao país. Ao fazer essa afirmação, deu a entender que o Executivo poderia agir para evitar uma eventual captura do autocrata da Rússia, acusado de crimes de guerra na Ucrânia. Se fizesse isso, o Brasil estaria desrespeitando um importante compromisso internacional. O país, afinal, é signatário do Estatuto de Roma, criador do TPI, sediado em Haia, na Holanda.
É preocupante e estranha a afirmação de Lula de ignorar o que é o Tribunal Penal Internacional
No dia seguinte, Lula ensaiou um recuo, mas também desastrado. Disse que uma hipotética prisão de Putin, em caso de visita ao Brasil no próximo ano, para a reunião do G20, seria uma questão do Judiciário. Até aí seria uma mudança de posição pública correta de quem recebe as informações básicas sobre o tema de seus assessores e do Itamaraty. Mas, não satisfeito, Lula disse que “nem sabia da existência desse tribunal” e buscaria entender as razões de o Brasil estar vinculado ao Estatuto de Roma, ao contrário de potências como EUA, Rússia, China e Índia.
É preocupante e estranha a afirmação de Lula de ignorar o que é o TPI. Afinal, presidiu o país em outros dois mandatos, logo após o Brasil oficializar o engajamento na iniciativa, com a anuência do Congresso. E em 2003, o governo Lula trabalhou para indicar a brasileira Sylvia Steiner para juíza do tribunal que julga genocídios e crimes de guerra e contra a humanidade. A aderência do país à Corte está inclusive inscrita na Constituição Federal. Qualquer atitude para rever esse compromisso afrontaria ainda a tradição brasileira de defesa do multilateralismo.
Lula deu essas duas declarações na Índia, onde assumiu a presidência do G20, grupo formado pelas maiores economias do mundo. De volta ao mais alto cargo da República, o petista tem reiterado a pretensão de restabelecer laços diplomáticos e fazer do país um protagonista das negociações geopolíticas, com uma nova correlação global de forças. Seria esperado, portanto, que tivesse maior cuidado com as palavras e estudasse melhor temas sensíveis antes de se posicionar. Caso contrário, a busca por prestígio e influência pode se mostrar frustrada e, pior, gerar desconfiança das principais democracias do mundo.
O TPI tem 123 nações signatárias. Entre elas, democracias consolidadas como Alemanha, França, Itália, Japão, Austrália e os vizinhos Argentina, Uruguai e Chile. O fato de outras potências, muitas delas sob regimes fechados, darem o mau exemplo de não aceitarem a jurisdição do tribunal não significa que seja o caminho mais adequado para o Brasil. Se o tribunal merece reformas, é outro assunto.
Na semana passada, tratando de questão interna, Lula mais uma vez soltou um despropósito. Desta vez, ao defender votos secretos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Está na hora de voltar a refletir mais sobre o que diz. Ainda neste mês, o presidente viaja a Nova York para discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU. Espera-se que seja mais bem assessorado e tenha maior cuidado com a mensagem que vai levar ao mundo.