Com a visita de ontem do vice-presidente Geraldo Alckmin à região devastada pela enchente e o anúncio da liberação de recursos para a reconstrução das cidades atingidas, o governo federal começa a resgatar sua dívida de atenção para com o Estado, evidenciada pela ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos primeiros momentos da catástrofe climática. Tudo indica, porém, que o próprio presidente já se deu conta da relevância do evento que devastou cidades e vidas no Vale do Taquari, tanto que está utilizando a tragédia gaúcha como exemplo para justificar as prioridades de sua agenda na recém-assumida presidência do G20 – bloco formado pelas 19 maiores economias do mundo e pela União Europeia.
Nesse contexto, Muçum, Roca Sales e Marrakech não são apenas povoações isoladas e distantes dos grandes centros
Ao eleger o combate à pobreza e o enfrentamento dos desafios climáticos como principais pontos de sua futura gestão no organismo de governança global, o presidente brasileiro citou o recente episódio do Rio Grande do Sul como consequência dos descuidos com o meio ambiente. Por aqui, na mesma sintonia, o vice-presidente Geraldo Alckmin – na condição de presidente interino e acompanhado por sete ministros – reafirmou que a prevenção de desastres ambientais precisa passar a ser uma das prioridades dos governos municipais, estaduais e federais.
O recente terremoto no Marrocos, com um número infinitamente maior de vítimas do que o desastre gaúcho, é outro exemplo eloquente de prevenção insuficiente por parte dos administradores públicos. Se os fenômenos naturais não podem ser evitados, os governantes e as lideranças da sociedade podem muito bem impedir que povoações humanas se instalem em áreas de risco ou providenciar a construção de habitações menos suscetíveis a abalos e desabamentos. Mais do que isso: cabe aos governos de todos os níveis priorizar a preservação ambiental, para atenuar o desequilíbrio climático, o aquecimento do planeta e a consequente frequência de eventos devastadores.
Os terremotos existem desde a formação do planeta, mas seus efeitos letais para o ser humano podem ser atenuados, como explicou recentemente o professor brasileiro Anderson Farias do Nascimento, especialista em sismologia: “Se você está perto de uma zona de falha, você está sujeito a uma ameaça geológica. Agora, disso você não tem controle. Do que você pode ter controle é a forma que se expõe a essa ameaça. Se você mora em uma casa ou em uma construção desprotegida, seu risco é muito maior do que o de alguém que mora na mesma localidade, mas está em uma construção protegida”.
Nesse contexto, Muçum, Roca Sales e Marrakech não são apenas povoações isoladas e distantes dos grandes centros. São, neste momento angustiante, feridas dolorosas de um organismo único que carecem de cuidado integral. Enquanto gaúchos e marroquinos choram suas perdas, os demais povos do planeta precisam entender que as questões geopolíticas devem mesmo ser colocadas em segundo plano na confrontação com o desafio climático – que é de todos e muito mais urgente. A verdadeira prioridade nem é o meio ambiente – é a vida.