A nova tragédia causada pelo clima que se abateu sobre o Rio Grande do Sul deixa os gaúchos consternados e exige que o tema dos desastres naturais ganhe um novo patamar. Até as 20h de ontem, eram ao menos 21 mortes confirmadas devido a enchentes e enxurradas desencadeadas pelas chuvas volumosas e prolongadas dos últimos dias, especialmente sobre as regiões Norte, Serra e Vale do Taquari. O Estado atravessa um 2023 doloroso. Em junho, a passagem de um ciclone extratropical deixou um rastro de destruição no Litoral Norte e no Vale do Sinos e 16 vítimas fatais. Em julho, um homem também morreu em Rio Grande após a formação de um novo ciclone.
É preciso trabalhar em todos os eixos: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação
Agora é o momento de prestar solidariedade aos familiares e amigos de quem perdeu a vida, amparar desabrigados e desalojados e auxiliar na reconstrução de moradias e infraestrutura. É inadiável, porém, diante das ocorrências recentes e da previsão de que acontecimentos climáticos severos tendam a ser mais frequentes, que a sociedade e as autoridades do Estado se concentrem na elaboração e na implementação de um plano robusto para prevenir e minimizar prejuízos e riscos à vida causados por intempéries. Não apenas o governo gaúcho, mas municípios e empresas. A cada evento extremo fica mais claro que pagar para ver significa negligência. É preciso trabalhar em todos os eixos: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.
Foram reiterados os alertas e os prognósticos meteorológicos ao longo do ano de que o Estado tenderia a sofrer mais em 2023 com chuvas, enchentes, enxurradas, deslizamentos e quedas de barreira. Os efeitos do aquecimento global são evidentes em todo o mundo, aparecendo na forma de diferentes tipos de eventos climáticos extremos e devastadores. Em particular no sul do país, a volta do El Niño contribui para precipitações fortes e duradouras. Não faltaram advertências de que o período entre o final do inverno e a primavera seria o mais crítico.
Desde a semana passada, outra vez, os institutos de meteorologia chamavam atenção para precipitações com grandes acumulados, especialmente no norte do Estado. Mesmo assim, infelizmente, ao menos mais 21 gaúchos morreram em virtude da fúria das águas. É dever, a partir de agora, arregaçar as mangas para evitar novas tragédias. No caso da estrutura de defesa civil, tanto nacional quanto estadual, evoluiu-se na emissão de alertas. Mas deve ser averiguado se esses avisos estão chegando de forma adequada às comunidades que habitam as áreas de risco e o grau de compreensão da população quanto à importância de levá-los a sério.
Os municípios, especialmente os menores, têm sistemas de defesa civil insuficientes. Devem ser apoiados pelo Estado e pelo governo federal com equipamentos e capacitação, inclusive de pessoal de áreas das prefeituras que podem se juntar aos esforços em momentos de desastres naturais, como obras e assistência social. O grande número de atingidos que desta vez tiveram de subir em telhados para fugir da enchente aponta também para a importância de existir melhor estrutura e treinamento para resgates. As próprias Forças Armadas podem desempenhar um papel de grande relevância em casos como esses.
Neste episódio de agora, nos municípios da Serra e do Vale do Taquari, foram inúmeros os relatos de pessoas que se disseram surpreendidas pela inundação e pelo fato de que a elevação das águas alcançou níveis nunca antes vistos, e com grande velocidade. É exatamente essa nova noção que deve ser assimilada. Mesmo em áreas onde enchentes são relativamente comuns, não se deve desprezar as chances de desastres de proporções inéditas. Os sinais neste sentido são cada vez mais eloquentes. Diagnósticos e mapeamento de áreas suscetíveis não faltam no Estado. Mas, assim como em relação às estiagens, as medidas práticas mostram-se muito aquém da necessidade. Não há mais espaço para procrastinação. O preço é pago em vidas.