A Câmara dos Deputados aprovou, com ampla margem de votos – 372 a 108 –, o texto-base do novo marco fiscal. A matéria vai agora ao Senado e, depois, à sanção pelo presidente da República. Em relação a seu mérito, é preciso registrar que, mesmo não existindo consenso entre os economistas sobre a capacidade de o arcabouço estabilizar a dívida pública em relação ao PIB, o fato é que, nas últimas semanas, o teor foi bem digerido pelo mercado financeiro, que sempre se antecipa ao que vê como tendência de realização. Uma prova disso é o comportamento notado desde o início do mês de queda do dólar e dos juros futuros, combinado com a alta do índice Ibovespa.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva terá, à frente, o desafio de perseguir as metas do novo arcabouço e entregar o prometido
A aprovação da nova âncora, no entanto, não é o ponto de chegada, mas sim o de partida. O governo Luiz Inácio Lula da Silva terá, à frente, o desafio de perseguir as metas do marco e entregar o prometido. A grande dificuldade, sem dúvida, reside no fato de o equilíbrio ser baseado essencialmente no aumento das receitas, e não no corte de gastos, como é a regra dos planos de ajuste fiscal.
A realidade sempre se impõe e uma amostra do quanto ela pode ser dura veio na segunda-feira, quando o próprio governo revisou o déficit projetado para 2023, que em dois meses passou de R$ 107 bilhões para R$ 136 bilhões (o equivalente a 1,3% do PIB). A piora foi observada tanto na coluna da receita quanto na da despesa. A nova regra fiscal prevê um rombo equivalente a 0,5% do PIB neste ano, que seria zerado em 2024 e, a partir de 2025, o país passaria a conviver outra vez com superávits. A deterioração das contas, no entanto, mostra que a melhora gradativa dos números está longe de ser jogo jogado, como se diz no jargão do futebol. O governo foi obrigado a fazer um contingenciamento preventivo de R$ 1,7 bilhão nas despesas, mas mesmo assim seguiu com o discurso otimista, projetando futuras receitas. Mas projeções, como se sabe, nem sempre se confirmam.
O teto de gastos, mecanismo vigente, permitia o avanço das despesas limitado à variação inflacionária. Recebia críticas por ser rígido demais e, nos últimos anos, de tanto ser esburacado, perdeu a credibilidade. Cabe agora a Lula não permitir que o instrumento criado pelo próprio governo se desmoralize. Teme-se ainda a possibilidade de surgirem à frente propostas de aumento de carga tributária para compensar previsões de receitas frustradas. Se isso ocorrer, tendem a sofrer uma forte resistência na sociedade e no Congresso.
Mesmo que existam interrogações sobre o novo marco, também há boa vontade com a proposta, como mostrou a própria votação na Câmara. O mecanismo também dá maior previsibilidade, uma mercadoria sempre valorizada na praça. Mas, mais importante do que ter uma regra, é essencial buscar cumpri-la. A bola, portanto, está com o Planalto, desafiado a executar o que prometeu. Governar significa definir prioridades e fazer escolhas, muitas vezes difíceis. Talvez, logo ali, vá aparecer a necessidade de ser mais seletivo e rigoroso com os gastos.