Há não muitos anos os brasileiros observavam a onda de massacres em escolas nos Estados Unidos com um misto de estupefação e alívio. O espanto se devia à barbárie em si. O consolo, ao fato de não existirem atrocidades semelhantes a atingir estudantes e professores por aqui, a despeito das altas taxas nacionais de incidência dos demais diversos tipos de crimes. Esse conforto não existe mais. Ainda antes do brutal ataque de quarta-feira a uma creche de Blumenau (SC), que deixou quatro crianças mortas, noticiou-se um estudo da Unicamp mostrando que, de 2002 até a última semana, o país teve 22 episódios do gênero. Mas foi notado um inquietante aumento de ocorrências a partir do segundo semestre do ano passado. Em apenas oito meses, de agosto a março, foram nove ataques, sem contar o mais recente, em Santa Catarina.
É necessário buscar compreender as raízes da revolta que leva à selvageria
A escalada da brutalidade acende o sinal de alerta na sociedade. Não há como deixar de adotar ações imediatas de precaução para evitar novos casos e pensar em um conjunto de medidas transversais, desde a área de segurança até a saúde pública, para a prevenção no longo prazo. Junto a isso, é necessário buscar compreender as raízes da revolta que leva à selvageria, um ponto de partida para construir iniciativas mais eficazes à frente.
As ações mais urgentes se devem, entre outras razões, à consciência de que estes episódios, infelizmente, funcionam como uma espécie de gatilho a encorajar outros indivíduos a cometer atos parecidos. Diante disso, o governo federal anunciou ainda na quarta-feira a disposição de liberar até R$ 150 milhões para Estados e municípios ampliarem as patrulhas escolares em todo o país feitas por policiais militares e guardas civis. Espera-se que, de fato, seja uma medida implementada com a devida celeridade. O Ministério da Justiça, ao mesmo tempo, determinou a ampliação do monitoramento de planejamento de ataques e ameaças a escolas na internet. Soma-se a essas iniciativas a intenção manifestada por vários veículos de comunicação de não mais publicar nomes, imagens e detalhes pessoais dos assassinos, além de minúcias dos ataques. Pesquisas sobre o tema mostram que a busca por notoriedade é outro fator a estimular ações violentas semelhantes. É o chamado efeito contágio.
Em relação às políticas públicas, é preciso ir muito além do policiamento ostensivo nas proximidades das escolas, do acompanhamento mais próximo de redes sociais de estudantes com problemas comportamentais e da dark web, camada mais profunda da internet onde estão chats de trocas de mensagem que pregam a intolerância. Deve-se discutir a fundo temas como o avanço do discurso do ódio na sociedade, não apenas em meios virtuais, a radicalização e o culto às armas, a postura de isolamento social de alguns jovens, o bulliyng e a saúde mental individual e coletiva, entre várias outras interfaces relacionadas à questão.
O governo federal também anunciou a criação de um grupo de trabalho, com vários ministérios, para discutir as múltiplas abordagens necessárias para combater as motivações que desembocam na bestialidade. Um relatório deve ser apresentado em 90 dias. As medidas, adiantou o ministro da Educação, Camilo Santana, incluem a criação de protocolos de prevenção e segurança nas escolas. Aguarda-se que sejam ações factíveis. Esses e outros passos têm de ser dados em conjunto pelos entes federados e seus órgãos, especialistas no tema e em suas vertentes e, claro, com o envolvimento da comunidade escolar. Não se prescinde, ainda, de atenção especial das famílias e às famílias.
Será, sem dúvida, um grande desafio, porque requer a união de uma sociedade dividida, que demonstra cada vez mais dificuldade de encontrar convergências. Mas evitar consternações como a que viveu Blumenau dois dias atrás exige a abertura ao diálogo e à cooperação em busca de soluções conjuntas.