Tem lógica a busca por estreitar as relações diplomáticas e econômicas com a China. O gigante asiático, afinal, é o principal parceiro comercial do país e tem o segundo maior PIB global. Olhando-se o montante negociado entre as duas nações, o saldo é amplamente favorável ao Brasil. Foram quase US$ 30 bilhões no ano passado de superávit. Pequim busca matérias-primas minerais para sustentar a sua expansão em infraestrutura e segurança alimentar para a população de 1,4 bilhão de pessoas. A China, por outro lado, tem disposição para espalhar investimentos e, neste momento, é um dos líderes da evolução tecnológica no planeta.
Cultivar a amizade e a cooperação com os chineses não significa ter de dar indiretas aos Estados Unidos, outro tradicional parceiro do Brasil
Acerta, então, o governo Luiz Inácio Lula da Silva em trabalhar de acordo com os interesses brasileiros. O pragmatismo é uma das características da diplomacia brasileira, assim como o não alinhamento automático. São desnecessárias, no entanto, declarações que lembram o antiamericanismo da esquerda da época da Guerra Fria, que hoje soa mais infantil. Cultivar a amizade e a cooperação com os chineses não significa ter de dar indiretas aos Estados Unidos, outro tradicional parceiro do Brasil. Abre margem para que seja compreendido como preferência, criando-se um mal-estar contraproducente.
Foi o que Lula fez quando, por exemplo, disse que “ninguém vai proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China” em um momento de tensões entre Pequim e Washington e ao questionar a hegemonia do dólar como moeda a lastrear as trocas internacionais. Não é um problema em si a busca por uma alternativa aos negócios, mas o tom, o contexto e as entrelinhas das declarações, em diplomacia, também são reveladores. Além disso, é uma intenção que não tem uma viabilização fácil. Lula deveria lembrar ainda que, há pouco tempo, foi na Casa Branca que buscou um dos principais suportes internacionais contra ameaças de rupturas institucionais no Brasil.
Feitas essas observações, deve-se reconhecer a importância de voltar a fortalecer laços com a China, após o período de maior distanciamento ao longo do governo Jair Bolsonaro. Os chineses, da mesma forma, demonstraram também grande interesse na reaproximação, como mostrou a recepção calorosa do presidente Xi Jinping. Os EUA, por outro lado, não têm exatamente a América Latina entre as suas prioridades nas últimas décadas.
Os governos de Brasil e China assinaram, na sexta-feira, vários acordos em áreas como telecomunicações, aeroespacial, carnes, cooperação industrial e mudanças climáticas, entre outros pontos, além de um empréstimo de R$ 6,5 bilhões para investimento sobretudo em infraestrutura. Na declaração conjunta entre os dois países, o tema das mudanças climáticas foi central. Tratou-se ainda do conflito na Ucrânia, com o apelo por um plano de paz.
Espera-se que, no âmbito bilateral, as tratativas evoluam e mostrem-se de fato vantajosas para o país, contribuindo para o desenvolvimento tecnológico e econômico do Brasil. São os interesses do país que têm de estar em primeiro lugar. Deve-se ter cuidado, no entanto, com as sinalizações de alinhamento.