A paralisação de médicos que atendem pelo IPE Saúde é apenas o mais recente capítulo da crise crônica atravessada pela instituição. O episódio, no entanto, reforça que não há mais como postergar a implantação de um plano robusto de reestruturação para que se consiga vislumbrar um mínimo equilíbrio financeiro no futuro. Essa reorganização é imprescindível para um atendimento adequado aos usuários, combinado com uma remuneração apropriada aos profissionais credenciados e a hospitais, clínicas e outros prestadores de serviços.
Deverá o governo demonstrar, com transparência e didatismo, que as saídas apresentadas são necessárias para dar sustentabilidade à instituição
O quadro atual é insustentável. Os segurados apresentam queixas recorrentes de dificuldades para conseguir consultas ou procedimentos. Os médicos reclamam dos valores pagos pelo IPE Saúde e, por isso, anunciaram um movimento para suspender consultas e procedimentos não urgentes entre segunda-feira e hoje. No ano passado, a crise foi com os hospitais, por dívidas e pelas remunerações relativas aos serviços e medicamentos, também com ameaça de paralisação de atendimentos. A razão é a incapacidade da instituição de gerar receitas suficientes para cobrir todas as demandas. Em meio a essas repetidas turbulências ficam os cerca de 1 milhão de usuários, especialmente funcionários públicos e seus dependentes, inseguros em relação à assistência. O quadro, infelizmente, abre inclusive margem para que profissionais cobrem indevidamente por consultas e cirurgias, situação irregular várias vezes denunciada.
A questão do IPE Saúde, ao lado da demora para fazer obras em escolas, foi um ponto crítico do primeiro mandato do governador Eduardo Leite. Como não conseguiu encaminhar uma solução em seus primeiros quatro anos, o tema se transformou em uma promessa da campanha à reeleição. Na segunda-feira, em apresentação sobre os cem primeiros dias do novo mandato, o governador se comprometeu a apresentar em maio à Assembleia o plano de reestruturação do IPE Saúde. A intenção seria votar ainda no primeiro semestre. Mas antes de enviar o texto ao parlamento gaúcho, pretende mostrar um diagnóstico da situação hoje aos deputados da base aliada e depois debater o assunto com os públicos envolvidos, como os hospitais, médicos e funcionários públicos, para formatar o conteúdo a ser levado à Assembleia.
Quando assumiu, no início do ano passado, o presidente da instituição, Bruno Jatene, disse que a prioridade era revisar despesas. Agora, pelo que se sabe, o ponto central da reorganização é elevar as receitas. Resta saber como. Já foi cogitado elevar alíquotas de contribuição, cobrar por dependente – o que é usual nos demais planos, mas não é feito pelo IPE Saúde – e implementar maiores desembolsos para quem usa mais os serviços, entre outras alternativas. Uma das características do instituto é ter um perfil etário dos dependentes bem acima do mercado. O inequívoco é que será indispensável corrigir distorções. As soluções, por certo, também desagradarão e devem gerar resistência, como toda reforma. Deverá o governo demonstrar, com transparência e didatismo, que as saídas apresentadas são necessárias para dar sustentabilidade à instituição, com atendimento digno e remuneração justa. O irretorquível é que, no modelo atual, as crises se sucederão.