O Brasil se despede hoje do seu filho mais ilustre, o mineiro Edson Arantes do Nascimento, que passou à história do futebol como Pelé. Mas jamais se despedirá do seu exemplo inigualável, da lembrança dos seus feitos e do sentimento de gratidão ao homem que se tornou símbolo da identidade nacional e ajudou a transformar o esporte que praticou numa paixão planetária.
O mineiro de Três Corações era tão iluminado que falava de Edson e Pelé como se fossem duas pessoas diferentes. E eram. Edson, que viveu 82 anos de alegrias, tristezas, acertos e erros, como qualquer ser humano, será sepultado hoje na cidade de Santos. Pelé, o imortal atleta de seu século, ganhador de três Copas do Mundo e único jogador do planeta a marcar mais de 1.200 gols, ficará para sempre na memória da humanidade, seja pela recordação dos seus contemporâneos, seja pelos milhares de registros históricos de suas façanhas.
Unanimidade e orgulho nacional, Pelé foi ungido à condição de principal herói do país porque realmente prestou grandes serviços à nação
Unanimidade e orgulho nacional, Pelé foi ungido à condição de principal herói do país porque realmente prestou grandes serviços à nação. Sua carreira exitosa é uma inspiração para milhões de brasileiros, pois o menino preto e pobre, que engraxava sapatos para ajudar no sustento da família, conquistou fama, fortuna e reconhecimento mundial com o poder de sua habilidade para jogar futebol, resultante do talento natural, mas também de muito esforço, treinos exaustivos e dedicação profunda à atividade que escolheu exercer. Em torno dessa façanha, desenvolveu também uma capacidade impressionante de conquistar amigos e admiradores através da humildade, da simpatia e da atenção que dedicava até mesmo a pessoas desconhecidas.
Pelé ajudou o Brasil a superar o seu complexo de vira-lata, sentimento de baixa autoestima identificado pelo célebre cronista Nelson Rodrigues, que também foi o primeiro a chamá-lo de Rei. Mais do que majestade brasileira, ele era também a nossa principal identidade no Exterior, uma espécie de “visto no passaporte”, na feliz expressão do escritor Fabrício Carpinejar. Seu nome era uma marca nacional identificada e reconhecida em qualquer lugar do mundo.
O mundo inteiro presta condolências ao Brasil por sua morte, mas também soube reverenciá-lo em vida. Ele tem fãs em todos os continentes, populações inteiras vibraram com seus gols e suas conquistas, e até mesmo uma guerra na África foi interrompida temporariamente para que os belicosos pudessem vê-lo jogar. Mais do que isso: em sua homenagem, foram construídos monumentos e inauguradas placas nas localidades mais remotas do planeta, quase sempre com uma bandeira verde e amarela a lembrar também que o Brasil é o país do futebol, da alegria e da arte.
Por tudo isso, a dicotomia criada por Pelé para lidar com sua própria identidade atinge todos os brasileiros no dia do seu sepultamento. Ao mesmo tempo em que lamentamos sua morte, pela ausência física do homem que carregava consigo o orgulho nacional, também celebramos sua vida admirável, única, inigualável, majestosa e merecedora de todos os adjetivos que possam servir de epígrafe na passagem para a eternidade.