Com um misto de sentimentos conflitantes que vão da esperança à descrença, passando pela apreensão e pelo conformismo, a população brasileira acompanha a formação do primeiro escalão da República pelo presidente eleito. Ainda que seja precipitado fazer qualquer juízo de valor sobre os escolhidos para compor o ministério do próximo governo Lula, a primeira impressão, compartilhada inclusive por organismos internacionais, é a de que as escolhas estão contemplando mais diversidade e maior compromisso com o diálogo.
Governar não é uma ação entre amigos: é, acima de tudo, trabalhar pelo país e pelo bem-estar de todos os seus habitantes
Considerando-se que a administração em final de mandato caracterizou-se pelo negacionismo, por conflitos destrutivos e pelo desapreço à ciência, à educação, à cultura, ao meio ambiente e às causas sociais, é de se esperar, no mínimo, que os futuros inquilinos da Esplanada dos Ministérios mantenham maior sintonia com as verdadeiras aspirações e as reais necessidades dos brasileiros.
Causa desconforto, evidentemente, a decisão do presidente recém-eleito de aumentar o número de pastas com o indisfarçável propósito de acomodar aliados políticos. No mesmo contexto, são preocupantes suas frequentes manifestações de desdém em relação à responsabilidade fiscal, exatamente no momento em que o Congresso autoriza gastos extraorçamentários para custear os programas sociais prometidos na campanha eleitoral. Ainda que se justifiquem pela urgência de atendimento à parcela mais desassistida da população, tais ações representam sinais de alerta para quem tem consciência de que o sucesso no combate à pobreza e às desigualdades depende prioritariamente do crescimento econômico.
Em contraponto a esta vocação para o assistencialismo, as presenças no núcleo do poder de administradores experientes e reconhecidos, como o vice-presidente Geraldo Alckmin, agora ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicam também uma saudável aposta no pragmatismo. Tanto o ex-governador de São Paulo quanto o ex-prefeito da capital paulista, independentemente de suas relações político-partidárias, têm históricos de boa governança e de austeridade na administração pública. É de se esperar que recebam suficiente autonomia para implementar as ideias expressadas em seus discursos.
Ninguém ignora a pressão a que está submetido um governante eleito com o apoio de diversas correntes políticas, e que ainda precisa conquistar a simpatia de um parlamento formado majoritariamente por opositores. Mas governar não é uma ação entre amigos: é, acima de tudo, trabalhar pelo país e pelo bem-estar de todos os seus habitantes, tenham sido ou não eleitores de quem eventualmente ocupa o poder.
É o que pressupõe o compromisso com o diálogo que o futuro presidente e seus principais assessores vêm apregoando a cada manifestação pública. Mas a negociação política é apenas pré-requisito para o essencial, que é dar sentido prático às intenções, com a criação de empregos e oportunidades para os brasileiros superarem a dependência de programas assistenciais e ajudarem na construção de um país mais digno.