A decisão liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes que exclui o custo do programa Bolsa Família do teto constitucional de gastos dá um novo trunfo ao governo eleito na negociação com o Congresso para aprovação da PEC da Transição, mas também aumenta as preocupações dos brasileiros com o descontrole fiscal, com a barganha de cargos públicos e com o loteamento político da máquina administrativa.
Sem um freio nos gastos e com uma carga tributária que já chega a 33% do PIB, o país fica praticamente sem perspectiva de crescimento econômico
Tudo está interligado. O novo governo precisa cumprir o compromisso de elevar o valor do atual Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) para R$ 600 por beneficiário, além de encontrar recursos para pagar R$ 150 por criança com até seis anos. Para isso, negocia no Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões, texto já aprovado no Senado e ora em análise na Câmara.
Infelizmente, não está sendo uma análise técnica nem republicana. Para levar adiante a demanda, o presidente da Câmara e outras lideranças partidárias que detêm o controle sobre os votos dos deputados estão exigindo cargos na nova administração, além do atendimento de outros interesses políticos. Como o futuro presidente da República já está encontrando dificuldade para acomodar seus próprios aliados, mesmo com o aumento desmesurado do número de ministérios, o impasse acabou desembocando no STF.
Em atendimento a uma ação do partido Rede Sustentabilidade, o ministro Gilmar Mendes autorizou no último domingo que o governo recorra a um crédito extraordinário para a manutenção do benefício social, o que poderá ser feito por simples medida provisória. Assim, não precisará se submeter às condições da Câmara para aprovar apressadamente a PEC da Transição. Mas o furo no teto é o mesmo.
Criado com o propósito de reduzir gradativamente o desequilíbrio fiscal crônico dos gastos federais, decorrente do crescimento acelerado da despesa pública, o chamado teto de gastos – oficializado pela Emenda Constitucional 95/2016 – vem sendo descumprido por todos os governantes por meio de subterfúgios e jeitinhos. A ideia central do instrumento é limitar o aumento da despesa anual pela inflação do período, mas nenhum governo até agora conseguiu a performance desejada.
Os primeiros sinais do presidente recém-eleito são preocupantes em relação à responsabilidade fiscal tanto pelos discursos quanto pela ampliação de ministérios e pela indicação de apoiadores para cargos públicos. Sem um freio nos gastos e com uma carga tributária que já chega a 33% do PIB, o país fica praticamente sem perspectiva de crescimento econômico e com menos possibilidade de reduzir a pobreza e a injustiça social. Não se trata, portanto, apenas de mais um furo no teto. É também uma confirmação de que os brasileiros continuam reféns de velhas práticas políticas e de lideranças que não conseguem – ou não querem – implantar uma governança transparente, saudável e eficiente no país.