Merece total atenção e profunda reflexão dos cidadãos brasileiros o voto da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, declarando a inconstitucionalidade do chamado orçamento secreto – que é como se convencionou chamar o processo de distribuição de volumosos recursos do Orçamento da União para emendas propostas por parlamentares. Em sua manifestação, a presidente do STF considerou que o modelo em prática viola o princípio republicano e desrespeita o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado.
Diante da perspectiva de extinção desta verdadeira maracutaia por decisão judicial, não chega a ser surpresa que o Congresso Nacional tenha elaborado às pressas um projeto de resolução propondo novos critérios para a distribuição das chamadas emendas de relator, numa tentativa evidente de manter o privilégio. Essa, infelizmente, costuma ser a reação de parcela expressiva da classe política brasileira sempre que se vê ameaçada de perder benesses, na maioria das vezes autoconcedidas.
A Constituição brasileira expressa com clareza o padrão técnico e moral que as organizações administrativas e pessoas públicas devem seguir
Exemplos recentes não faltam: a própria PEC da Transição, que está sendo negociada entre o governo recém-eleito e lideranças parlamentares na base da troca de favores, tem como principal objetivo oficializar o jeitinho de burlar a Lei do Teto de Gastos; a recente alteração da Lei das Estatais, aprovada a toque de caixa na Câmara, visa a facilitar o empreguismo de políticos nas grandes empresas públicas. O arcabouço de leis moralizadoras criado no rastro dos grandes escândalos de corrupção aos poucos vai sendo desmontado por emendas oportunistas e por lideranças políticas vocacionadas apenas pelo poder.
O manto de névoas que encobre o orçamento secreto, na imagem oportuna criada pela ministra Rosa Weber, também se estende sobre outras operações e articulações empreendidas nos bastidores da política, invariavelmente para favorecer eventuais ocupantes da administração pública à custa dos contribuintes. Por isso, é importante que os cidadãos se mantenham vigilantes também em relação aos pequenos movimentos da política, em vez de se mobilizar apenas quando estoura um grande escândalo.
Mobilização, evidentemente, não significa apenas reunião de grande quantidade de pessoas nas ruas para protestar. Significa, também, a utilização cotidiana de mecanismos de fiscalização e acesso às instituições republicanas criadas para zelar pelos princípios fundamentais da administração pública, que são a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Chamar um orçamento público, ou parte dele, de secreto, por si só, já se afigura uma contradição monumental desses princípios.
A Constituição brasileira expressa com clareza o padrão técnico e moral que as organizações administrativas e as pessoas públicas devem seguir. Manobras, jeitinhos e espertezas, como demonstra a história recente do país, só servem para escancarar as portas da corrupção. E a melhor e mais eficiente vacina para as tais desinformações tem um nome bem conhecido: transparência. Mas é preciso aplicá-la repetidas vezes, pois seu efeito não é permanente.