Ao autorizar a transferência para prisão domiciliar do último preso célebre da Operação Lava-Jato – o ex-governador fluminense Sérgio Cabral –, a decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, reacende o debate nacional sobre o combate à corrupção. Considerando a folha corrida do referido político, réu em 35 ações e condenado em 23 delas a mais de 400 anos de reclusão, os seis anos de prisão preventiva já cumpridos parecem mesmo uma pena demasiado branda. Por isso, é perfeitamente compreensível que muitas pessoas manifestem inconformismo com sua nova condição prisional. Porém, é inegável que a legislação penal e a Constituição estão sendo respeitadas – e isso é o que deve prevalecer num regime democrático.
É importante reconhecer que não se tratou de uma miragem: mais de mil mandados de busca e apreensão foram cumpridos pela Polícia Federal
O espírito punitivo despertado pela maior operação de combate à corrupção da história do país também pode ser interpretado como reação natural de uma população historicamente espoliada por maus dirigentes políticos, por servidores desonestos e empresários gananciosos. Nesse contexto, o voluntarismo quase messiânico dos juízes e procuradores que lideraram a operação foi recebido pela maioria dos brasileiros quase como um ato de heroísmo, excetuando-se os setores diretamente atingidos e algumas vozes mais cautelosas, que, inclusive, passaram a prever uma reversão.
Não demorou muito para que isso acontecesse. Como em episódios semelhantes ocorridos em outros países, tão logo a classe política começou a se sentir ameaçada, até mesmo pelos excessos cometidos por autoridades que comandavam a repressão, a contraofensiva veio forte e praticamente desmantelou a operação.
Ainda assim, é importante reconhecer que não se tratou de uma miragem: mais de mil mandados de busca e apreensão foram cumpridos pela Polícia Federal; políticos, empresários, doleiros, servidores públicos e intermediários foram investigados, presos e julgados; quadrilhas foram desmanteladas e quantias volumosas de dinheiro público foram devolvidas; as relações pouco republicanas entre a administração pública e a iniciativa privada foram revisadas e, em muitos casos, corrigidas. No lado negativo da balança, aparecem os arbítrios já referidos, danos irrecuperáveis para a economia do país e injunções políticas que ainda hoje suscitam dúvidas sobre a isenção de agentes públicos atuantes no processo.
No momento em que o país ingressa em nova fase de sua história, com o retorno ao poder de políticos investigados pela grande operação que mobilizou a nação entre 2014 e 2021, é importante lembrar que ela foi um marco no combate à corrupção e que deixou como legado uma lição que jamais deve ser esquecida: a prevenção é mais importante do que a repressão. Punir é necessário, evidentemente, até como medida dissuasória, mas a conquista da integridade na administração pública de uma nação depende mais da criação de regras claras e transparentes para o seu funcionamento, da fiscalização constante dos cidadãos sobre governantes e representantes políticos, da revisão frequente das relações entre o setor público e o privado, e, principalmente, da difusão e do respeito a uma cultura coletiva de honestidade.