As expectativas do mercado para os principais indicadores financeiros e econômicos do país podem ser encontradas, semana a semana, no Boletim Focus, do Banco Central (BC). Na primeira publicação do ano, as projeções indicavam que a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegaria ao final de 2021 em módicos 3,34%. As apostas para a Selic se situavam em 3,25% ao ano e, para o câmbio, nos R$ 5. Dez meses depois, a realidade é surpreendente à luz do quadro que parecia se descortinar na virada do calendário e castiga especialmente as famílias mais pobres, que enfrentam um desemprego ainda alto e costumam gastar proporção maior da renda em despesas básicas, como alimentação. A deterioração do cenário, potencializada pela crise política e sinais ruins na área fiscal, só pode ser revertida, no que está ao alcance das autoridades nacionais, se se abrandarem as tentações de gastanças populistas por parte do Executivo e do parlamento e as tensões institucionais forem amenizadas.
A inflação é um fenômeno hoje global, mas no Brasil está muito acima até mesmo de seus pares emergentes e tem o impulso extra do câmbio
De acordo com o IBGE, o IPCA acumula alta de 10,67% em 12 meses, a segunda maior taxa desde o início do real. Perde apenas para os 10,71% de janeiro de 2016, quando o país atravessava a turbulência que viria a desembocar no impeachment da então presidente Dilma Rousseff. O juro básico da economia alcança agora 7,75% ao ano e tende a subir mais em dezembro, enquanto o câmbio oscila em torno de R$ 5,50, mas chegou a quase R$ 5,70 no início do mês. Não há dúvida de que as barbeiragens internas colaboraram bastante para se chegar ao estágio atual de degradação.
A inflação é um fenômeno hoje global. No Brasil, porém, está muito acima até mesmo de seus pares emergentes e tem o impulso extra do câmbio. A irresponsabilidade fiscal e a instabilidade emanadas de Brasília fazem o real ser uma das moedas mais desvalorizadas no mundo. Desde o final de junho, por exemplo, a perda de valor ante o dólar é de aproximadamente 12%. O impacto é direto em uma série de insumos, alimentos e outros produtos essenciais no dia a dia dos brasileiros, como na gasolina, também mais cara devido à alta do petróleo. O combustível, aliás, foi um dos vilões do IPCA de outubro, divulgado ontem e que veio acima das expectativas (1,25%), mostrando uma alta dos preços resistente e, agora, mais espalhada.
A culpa da inflação mais elevada não é dos mais pobres, mas são os estratos humildes da sociedade que recebem o maior castigo pela renda corroída. Junto com o IPCA, o IBGE divulgou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que reflete a variação do custo de vida de famílias com renda mensal de um a cinco salários mínimos. Este indicador soma alta de 11,08% em 12 meses, acima do indicador mais amplo. Para 2022, se espera uma desinflação. Isso não significa, porém, redução de preços, mas apenas que os índices subirão um pouco menos. O ambiente permanecerá desafiador, ainda mais pela imposição de o BC – sem poder contar com a ajuda da política fiscal – continuar a subir o juro para tentar conter a inflação, o que por outro lado tem um impacto negativo para a economia. O desemprego, ao menos, tem apresentado alguns sinais de recuo nos levantamentos mais recentes apresentados pelo IBGE.
Após o estrago causado pelo Planalto e pela Câmara com a demolição do teto de gastos com a PEC dos Precatórios, com reflexos no câmbio e nos juros futuros, espera-se que o Senado, se não barrar a excrescência, ao menos module o texto para que o espaço fiscal aberto no orçamento seja utilizado prioritariamente para o Auxílio Brasil, e não para turbinar mais emendas obscuras, vitaminar fundo eleitoral e garantir outras bondades de índole eleitoreira.
Na busca por dar alguma contribuição para evitar altas mais expressivas dos combustíveis, governadores decidiram congelar por três meses o preço de pauta, sobre o qual é calculado o ICMS. Não é a solução, mas ajuda a frear o valor nas bombas, caso os reajustes persistam nas refinarias. Com a volta da chuva, reservatórios de hidrelétricas apresentaram uma pequena recuperação nas últimas semanas. Se precipitações mais generosas continuarem, crescem as chances de alguma redução nas faturas de energia nos próximos meses. Um alívio significativo na carestia, no entanto, depende mais do que acontece sobre o chão de Brasília do que na troposfera do Brasil.