O nome técnico pode confundir ou mesmo mascarar um fato irrefutável. Precatórios são dívidas do governo com as empresas, com as instituições e com os cidadãos, reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de novos recursos. Logo, não deveria ser favor ou mesmo uma opção pagá-las, por mais penoso que seja aos cofres públicos. Além de cumprir uma obrigação, seria um exemplo positivo à sociedade. Quando os governos são os primeiros a oficializar o calote, cria-se um cultura de impunidade em cascata.
Compreende-se que as dificuldades impostas pela pandemia pressionaram os fluxos financeiros da União, dos estados e dos municípios. Uma observação mais detalhada da realidade, porém, revela que os governos são historicamente, com raras exceções, maus pagadores.
Quando os governos são os primeiros a oficializar o calote, cria-se um cultura de impunidade em cascata
Se o problema é mesmo estrutural, o mais lógico seria enfrentá-lo na sua raiz, que á o gigantismo ineficiente do Estado e a ausência de uma cultura de gestão que proteja ativos públicos nos médio e longo prazos. É no mínimo questionável depositar na covid-19 toda a culpa por essa tentativa de empurrar ainda mais as dívidas com a barriga, empreendida agora pelo governo federal. O auxílio emergencial, sempre que transitório e administrado com transparência, se transformou em uma ferramenta imprescindível para milhões de famílias brasileiras afetadas pelo desemprego e pela fome. Não se defende aqui acabar com esse mecanismo, mas sim a necessária responsabilidade fiscal, que vai muito além de um preceito econômico para significar a garantia de saúde nas relações entre o poder público e a sociedade em uma perspectiva de perenidade.
Há muito ainda para modernizar e para cortar no Estado brasileiro. Uma reforma tributária corajosa e completa é um desses caminhos óbvios, mas de bem mais difícil execução de que uma pedalada nos precatórios. Simplificar a tributação e fortalecer os municípios seriam dois pilares de uma transformação que contrariaria interesses poderosos em Brasília, mas que daria mais oxigênio ao resto do Brasil.
Igualmente importante ressaltar que muitas das despesas que agora pressionam o Ministério da Fazenda poderiam ter sido evitadas ou minimizadas se o governo tivesse acordado na hora certa para a gravidade da pandemia e de seus efeitos na vidas dos seres humanos e das empresas. O cidadão pagará duas vezes pela incompetência dos seus representes, eleitos para zelar pelos interesses do país, mas que parecem hoje mais preocupados com disputas de poder e com choques de ego.