O novo marco legal do saneamento, discutido desde 2018 no Congresso e sancionado em julho do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro, impõe metas de universalização do serviço ousadas e que, por isso, exigem investimentos pesados. O objetivo nacional é chegar a 2033 com 99% da população tendo acesso à água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto disponíveis, um avanço que permitirá a boa parte dos brasileiros, finalmente, ser resgatada de uma situação que lembra a Idade Média.
O essencial é assegurar para os gaúchos o melhor serviço possível de saneamento
O mais recente relatório do Instituto Trata Brasil dá uma dimensão do atraso. Cerca de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao abastecimento de água e outros 100 milhões não contam com coleta de esgoto, um descaso com reflexos nefastos principalmente para a saúde da população mais humilde, gerando depois mais gastos para o tratamento de doenças.
Foi este novo contexto que fez o governador Eduardo Leite surpreender e anunciar ontem a intenção de privatizar a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que já foi tratada como uma das joias da coroa das estatais gaúchas. O plano expõe a intenção do Piratini de ir um passo além da prevista abertura de capital da empresa. Apesar de Leite ter prometido na campanha não repassar a Corsan à iniciativa privada, o que gera desgaste adicional, a realidade nua e crua é de que o cenário mudou. E a companhia, apesar da boa saúde financeira, tem passivos trabalhistas e previdenciários significativos e não reúne condições de suportar os investimentos que serão exigidos, em torno de R$ 10 bilhões até 2033. A parceria público-privada (PPP) para a Região Metropolitana é um exemplo. Do montante de R$ 1,77 bilhão previsto no projeto para universalizar o atendimento em nove municípios, R$ 1,4 bilhão serão desembolsados pelo consórcio Aegea e apenas R$ 370 milhões pela Corsan.
O essencial é assegurar para os gaúchos o melhor serviço possível de saneamento. Para isso, além dos aportes vultosos que serão necessários, é preciso, sobretudo, eficiência e uma gestão ágil e livre de amarras burocráticas. Não são raras as queixas de diversos municípios gaúchos em relação a necessidades que não são atendidas pela Corsan. A proteção dos consumidores, por outro lado, deve contar com um trabalho atuante das agências reguladoras.
Os benefícios do novo marco regulatório são inúmeros. A obrigatoriedade de investimentos substanciais tem o poder de dar impulso extra à combalida economia brasileira. Estimam-se R$ 700 bilhões no país até 2033. Também calcula-se que, para cada R$ 1 aplicado em saneamento, outros R$ 4 são poupados em saúde. Em meio à pandemia, despertou-se para a realidade de que, em muitos lares mais carentes, sequer há água limpa para lavar as mãos e minimizar o risco de contágios pelo novo coronavírus. O meio ambiente, da mesma forma, tem ganhos substanciais quando há melhor tratamento de esgoto. Para o Estado, haverá ainda um reforço no caixa do Piratini e a possibilidade de o poder público, financeiramente mais forte, ter melhores condições de atender a população em prioridades como saúde, educação e segurança.
O próximo passo, agora, é a discussão na Assembleia sobre a possibilidade de retirada da obrigatoriedade da realização de plebiscito para o processo ir adiante. Existirão resistências, naturais em iniciativas do gênero. O importante é conduzir uma discussão de alto nível e com transparência para que o Legislativo possa compreender os benefícios da possibilidade de privatização, as dificuldades de cumprir as exigências com o status atual da Corsan e, ao fim, decidir de acordo com os interesses da maior parte da sociedade gaúcha.