A chegada do cardiologista Marcelo Queiroga para substituir Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde não elimina a questão central: pouco adianta trocar um general por um médico se a diretriz também não for mudada, com a pasta passando a ser guiada pelo bom senso e os ditames da ciência. Sem isso, o Brasil continuará sofrendo com a má gestão da crise sanitária, que resulta no prosseguimento da escalada desenfreada de mortes. Se ao fim e ao cabo prevalecer a submissão às crenças do presidente Jair Bolsonaro, o resultado não será diferente, com o país – hoje o epicentro global da pandemia – se transformando cada vez mais em fonte de preocupação mundial.
Presidente sinalizou que a intenção é de manter a linha de atuação de Eduardo Pazuello
Os ministros anteriores a Pazuello, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, também eram médicos reconhecidos, mas não resistiram às sabotagens presidenciais ao viés técnico que tentaram implementar. Já Pazuello sequer conseguiu fazer jus à fama de especialista em logística. Mostrou-se apenas apegado à obediência, sem margem para decidir e ineficiente na compra de imunizantes, como provam o atraso brasileiro na aquisição de doses e os desentendimentos com a Pfizer, que fez várias ofertas para o país desde meados do ano passado, todas recusadas pelo governo federal.
A consequência é que o Ministério da Saúde, que deveria ter um papel central no combate à pandemia, demonstra até agora um desempenho sofrível, quando não com decisões equivocadas com desenlaces ainda mais graves, como no caso da falta de oxigênio em Manaus. Sucessivas promessas foram descumpridas, alimentando a perda de credibilidade. O resultado se materializa em um número absurdo de mortes, hospitais em colapso, vacinação a passos de tartaruga e oposição a medidas que diminuam a circulação nas cidades. A situação desesperadora faz governadores e prefeitos correrem atrás da compra de vacinas, escassas no mundo, porque compreenderam que não podem confiar no governo federal, e enfrentarem sozinhos o desgaste por medidas restritivas necessárias.
A esperança seria de que a nomeação de Marcelo Queiroga não significasse apenas uma troca de nome, mas de orientação. Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o quarto ministro desde o início da pandemia, no entanto, já manifestou estar afinado com as ideias de Bolsonaro. E o próprio presidente sinalizou ontem à noite que a intenção é de manter a linha de atuação do ministério com Pazuello à frente. Mesmo assim, é justo aguardar suas primeiras medidas no comando da pasta. Seria urgente uma guinada na política atual, buscando a implantação de forma harmoniosa de boas práticas, com alinhamento dos três entes federados. Sem uma unificação das orientações, no sentido de incentivar toda a população a comportamentos que quebrem a cadeia de transmissão do vírus, será mais difícil conter a elevação do número de contágios, enquanto se aguarda a tão esperada imunização em massa.