Passada a primeira onda de estupefação que sucedeu aos atos de vandalismo no Congresso dos Estados Unidos, o maior desafio da democracia é encontrar uma resposta capaz de neutralizar os danos simbólicos e concretos da ação dos apoiadores de Donald Trump. O primeiro passo foi dado ainda na quarta-feira, quando os parlamentares retomaram a sessão que chancelou o resultado das urnas e a vitória de Joe Biden. Um gesto importante, mas insuficiente diante da gravidade dos acontecimentos.
O que ocorreu em Washington não foi um fato isolado, mas o resultado de um processo de desgaste gerado pela radicalização de posições políticas que ainda está longe de um refluxo em direção ao bom senso e à moderação. Mesmo derrotado, Trump obteve mais de 70 milhões de votos em novembro do ano passado.
A profanação de um dos maiores símbolos da democracia ocidental não é um problema dos Estados Unidos, mas de todos os povos que acreditam na lei e nas instituições
Enquanto a maioria civilizada do planeta condena e tenta mensurar as consequências do que os próprios americanos qualificam como “terrorismo interno” e “o mais grave atentado à democracia das últimas décadas”, aqui no Brasil a paranoia e as mentiras que serviram de combustíveis para a turba de Washington encontraram um perigoso respaldo no presidente Jair Bolsonaro, um caso único de político que reclama de uma suposta fraude em uma eleição da qual saiu vitorioso. Bolsonaro não se contentou em ficar calado, o que já seria um erro. Ele justificou a baderna e, não satisfeito com o disparate, se aproveitou das cenas de dor e confusão para lançar a ameaça de que o mesmo se repita no Brasil, caso não haja voto impresso em 2022. Por dever de justiça, vale ressaltar que os eventos na capital dos EUA foram condenados, no Brasil, pelos presidentes da Câmara, do Senado, do STF e por personalidades dos mais variados campos políticos.
A profanação de um dos maiores símbolos da democracia ocidental não é um problema dos Estados Unidos, mas de todos os povos que acreditam na lei e nas instituições. Em uma sociedade democrática, é preciso zelar pela absoluta clareza entre a liberdade de expressão e os limites da ação. Posições extremas, mesmo que condenáveis, são parte dos debates plurais, desde que sempre balizadas pela lei e pelo bom senso. Mas quando Donald Trump legitima, empodera e atiça as milícias, os grupelhos e os psicopatas que parasitam o sistema democrático, os resultados são, entre outros, as cenas que chocaram o planeta na quarta-feira. Aos brasileiros, também afetados por uma onda de radicalização, os vidros quebrados, os tiros e o medo no Capitólio devem servir de alerta. No meio da gritaria, é imperativo saber escolher quais vozes escutar.