É frustrante constatar que, enquanto ao menos 50 países já começaram o processo de vacinação contra o novo coronavírus, no Brasil, onde há o segundo maior número de mortes no mundo, não existe sequer projeção segura sobre quando se inicia a imunização. A todo momento surgem novas estimativas para deflagrar a aplicação das primeiras doses nos grupos prioritários. Março, fevereiro, janeiro e até os últimos dias de dezembro de 2020 foram cogitados. Parece claro que sobra imprevidência e falta competência.
Os brasileiros merecem mais organização e celeridade, e não esta torturante demora que põe vidas em perigo e afeta a confiança de consumidores e empresários
Em meio a tantos desencontros e sinais de desorganização, a quantidade de casos e de vítimas fatais volta a subir, assim como sobe a angústia da população. Não há certeza sobre quando o produto desenvolvido pela universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca será aprovado para uso no Brasil, embora se espere que a Fiocruz faça o pedido em caráter emergencial ainda neste mês. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro não vem cultivando as melhores relações com a Pfizer, outra opção, e tampouco demonstra grande intenção de fechar contrato para adquirir a CoronaVac, da chinesa Sinovac e desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan.
Enquanto os erros se multiplicam, o Brasil – considerado exemplo mundial em outras campanhas de vacinação – está prestes a atingir a sombria marca de 200 mil mortos pela covid-19. Cada dia de atraso no início da vacinação significa mais vidas perdidas e incertezas na retomada da economia. Para o desgosto dos brasileiros, a confusão não envolve apenas a aprovação e a compra dos fármacos, mas também a aquisição de insumos essenciais para assegurar um ritmo aceitável de vacinação, quando for iniciada. Soube-se na semana passada que, em um pregão fracassado, o governo federal conseguiu comprar menos de 3% do número necessário de seringas. Espanta que o Ministério da Saúde, apesar dos reiterados alertas, tenha deixado a aquisição de insumos básicos para a última hora, enquanto todo o mundo corre atrás dos mesmos itens.
Se equivoca o presidente Jair Bolsonaro ao afirmar que seriam os laboratórios que deveriam se esforçar para oferecer a sua vacina no mercado brasileiro. Não se trata de um produto de consumo, mas de uma substância essencial para evitar mortes e debelar a pandemia. É o país, portanto, que tem de se apressar para ter os imunizantes e dar a largada na distribuição das doses. Afinal, não existe problema de demanda para as vacinas. Se o Brasil continuar hesitando, outros governos acabarão adquirindo novos lotes, e os brasileiros ficarão ainda mais para trás.
Não se trata de abrir margem para a burla a qualquer legislação, mas a crise sanitária em curso exige menos burocracia. Se as mesmas vacinas estão sendo aprovadas em outros países, não há justificativa razoável para não ocorrer o mesmo no Brasil. A não ser que, como se desconfia, possa existir um grave problema de competência, agravado por má vontade ideológica. Adversário político do Planalto, o governo de São Paulo também é passível de críticas. Após pressionar Brasília, uma sucessão de anúncios previstos não se concretizaram em relação ao registro da CoronaVac no país e à divulgação da eficácia do fármaco, alimentando desconfianças em relação à vacina. É tudo o que o país não precisa. Os brasileiros merecem mais organização e celeridade, e não esta torturante demora que põe vidas em perigo e afeta a confiança de consumidores e empresários, elevando o risco de a economia também se manter enferma.