A pandemia voltou a se agravar no país, e os brasileiros, que deveriam esperar colaboração e convergência entre as prefeituras, os Estados e a União, assistem atônitos a uma disputa de fundo político e eleitoral em torno das vacinas contra covid-19 que já começaram a ser oferecidas às populações de outros países.
De um lado, o governo Jair Bolsonaro pecou pelo negacionismo, pela falta de planejamento e de visão ao fazer, em princípio, propaganda de uma única vacina, enquanto outros
países, de forma prudente, firmaram contratos com vários laboratórios para assegurar fornecimento condizente com as suas necessidades. Ao mesmo tempo, se previnem quanto a possíveis atrasos de um imunizante específico. De outro, o governador de São Paulo, João Doria, exagera em seu estratagema de confronto com o Planalto, ao anunciar de forma unilateral o início da vacinação dos paulistas em 25 de janeiro. Na tentativa de marcar diferença em relação a Bolsonaro, de olho em uma possível disputa pela Presidência em 2022, deflagra um efeito cascata entre seus colegas, mesmo os que esperavam uma coordenação federal pela vacina. Um tema relevante, que deveria ser pautado pelos interesses da população em primeiro lugar, transformou-se em bate-boca e em uma guerra de egos impulsionados pela perspectiva de ser o primeiro a vacinar.
Há tempo para a razão e a técnica voltarem a ditar as ações em Brasília
Enquanto isso, sem nenhuma autonomia, o ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, tenta, em vão, se equilibrar entre a necessidade de obediência ao chefe e o bom senso, especialmente no que tange à eventual compra da CoronaVac, de origem chinesa e desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan, alvo de resistências bolsonaristas meramente políticas e ideológicas. Pressionado, depois de dizer que a vacinação no Brasil começaria em março, Pazuello joga ao vento novas datas quase todos os dias e apresenta aos pedaços um plano nacional de imunização que claramente tem dificuldades de parar em pé.
Diante da descoordenação, prefeitos e governadores se jogam a tentar firmar contratos individuais para garantir lotes de vacinas. Seria mais producente se existisse um gerenciamento nacional, sem risco de disputa entre entes federados. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é uma referência internacional na área e bastaria um pouco de organização para adaptá-lo ao desafio atual. Há tempo para a razão e a técnica voltarem a ditar as ações em Brasília. Resta saber se o governo federal está disposto a essa guinada e se há competência na cúpula do Ministério da Saúde para liderar tal articulação.
Enquanto o Brasil chega à marca de 180 mil mortes, clama-se por um mínimo de sensatez para que as autoridades federais assumam as suas responsabilidades, comuniquem com clareza a estratégia de imunização e não descartem qualquer vacina que tiver segurança e eficácia comprovadas. A cizânia e a desorganização aumentam a angústia da população e elevam o grau de incerteza do setor produtivo, que precisa de mais segurança para trabalhar e se manter firme na trajetória de recuperação da economia e dos empregos perdidos ao longo da pandemia. É hora de grandeza, e não de pequenez.