Compreende-se que o combate à pandemia e as eleições drenaram parte das energias do governo federal e do Congresso ao longo de 2020, mas não há justificativa plausível para o país se aproximar do final do ano sem avanços significativos em pautas basilares como as reformas administrativa e tributária. No caso da revisão do cipoal tributário brasileiro, imaginava-se que seria possível chegar a dezembro com uma proposta apreciada e votada pelo Congresso. Infelizmente a realidade é outra, com o Executivo hesitante, a insistência do ministro Paulo Guedes em criar uma espécie de nova CPMF e o parlamento agora envolvido em conflitos internos, como a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado.
Seria desejável que agentes públicos, no Congresso e no Executivo, deixassem de protelar pautas nevrálgicas para o país
Embora oficialmente ainda exista no discurso um esforço para que a matéria prospere antes da virada do ano, a última notícia é a da prorrogação, até 31 de março de 2021, da comissão especial criada para analisar a reforma tributária. A possibilidade de se chegar a um acordo, portanto, é novamente jogada para as calendas, ao que tudo indica. O colegiado nasceu em fevereiro com o objetivo de construir um consenso partidário em torno da reforma, mas pouco avançou. O Planalto, ao mesmo tempo, apresentou em julho a primeira das três fases da sua proposta, chegou a acenar com as outras duas em um prazo de até 30 dias, mas até hoje ninguém sabe, ninguém viu.
O redesenho do sistema de impostos brasileiro é urgente. O modelo atual, extremamente complexo, gera custos adicionais para as empresas, minando a competitividade da economia nacional, e é perverso por seu caráter regressivo, onerando os mais pobres. Uma solução não poder tardar ainda mais.
A frustração é semelhante em relação à reforma administrativa. Esperava-se que o texto também fosse votado neste ano pelo Congresso, mas segue com tramitação lenta e travada, assim como a maior parte da pauta econômica, em função do pouco empenho prático do Planalto com o tema e da dificuldade de costurar consenso dentro do Congresso, que em 2019 teve o mérito de tocar praticamente sozinho a reforma da Previdência. Assim, ficaram também para 2021 as mudanças nas regras para racionalizar o gasto com o funcionalismo, alterar carreiras e, principalmente, melhorar a eficiência do serviço público. Constata-se que 2020 foi um tempo perdido quanto a duas reformas basilares para o país, mas que deveriam ser de fato prioritárias, ainda mais em um cenário de dificuldades fiscais e economia claudicante.
Mas não são apenas temas estruturantes que são procrastinados. Outro assunto tratado como improtelável desde o alvorecer de 2020, a PEC Emergencial vê agora o crepúsculo do ano sem um desfecho. Soube-se ontem que o relator da proposta, senador Márcio Bittar, desistiu de apresentar seu parecer, outra vez por falta de entendimento. O texto essencial por criar mecanismos de ajuste fiscal para União, Estados e municípios é outra matéria que, mesmo premente, é chutada para o próximo ano. É um impasse que dificulta inclusive a aprovação do Orçamento de 2021 e faz o Brasil chegar a janeiro mergulhado em incertezas. Seria desejável que agentes públicos, no Congresso e no Executivo, compreendessem a gravidade do momento e deixassem de protelar pautas nevrálgicas para o país. Mas o que se vê, mais uma vez, é um imenso desperdício de tempo, dispersão de foco para disputas políticas rasteiras e incapacidade de construir consensos mínimos.