Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Tem sido uma tortura acompanhar a disputa em torno do destino da Ceitec S.A. O governo federal argumenta que a empresa dá prejuízo e que ninguém quer comprar. Um setor de esquerda associado a interesses corporativos diz que a empresa é um patrimônio estratégico. Nenhum dos dois lados promove uma política de inovação racional.
Veja, Paulo Guedes, não haver liquidez momentânea para uma empresa de tecnologia nascida de um esforço estatal não é razão suficiente para desmontá-la. Durante boa parte de sua história, a Embraer não teve liquidez. Hoje é uma exceção nacional em emprego qualificado e competitividade global.
Política de inovação é mesmo um animal ingrato: a nação inteira precisa bancar o risco de, talvez um dia, liderar em algum setor específico
Política de inovação é mesmo um animal ingrato: a nação inteira precisa bancar o risco de, talvez um dia, liderar em algum setor específico. E não adianta fingirmos que não precisamos jogar esse jogo. Todas as grandes nações (inclusive menores e mais pobres que o Brasil) o fazem. Em setores estratégicos, quem não tem política industrial sofre sabotagem o tempo todo. Paga muito caro quando uma nova tecnologia é introduzida.
O problema é que o outro lado também está errado. Não é porque uma estatal gerou um suposto ativo tecnológico que ela deve necessariamente ser mantida. O modelo organizacional da Ceitec cheira a mofo. Há distintas maneiras de dominar uma vanguarda global, mas nenhuma delas começa com uma fábrica e 184 funcionários públicos.
Governança de PD&I evoluiu muito nos últimos dez anos. Surgiram modelos enxutos e descentralizados, baseados em objetivos claros e métricas de rápida testagem. Muito antes de gastar um bilhão, é possível saber se determinado projeto vai trazer retorno em termos de desenvolvimento socioeconômico, em termos de solução de problemas reais enfrentados pelo povo brasileiro.
O caso Ceitec é só a ponta do iceberg: a esquerda brasileira ainda não entendeu que os bens públicos (conhecidos como commons) não precisam ser estatais inchadas. A direita neoconservadora ainda não internalizou a responsabilidade de estar à frente de uma das maiores nações do planeta, um jogo no qual cada ativo que vai para o lixo é na verdade uma vitória para as nações que competem conosco.