Ao apelar para o "patriotismo" de comerciantes para que não reajustem preços de alimentos, o presidente Jair Bolsonaro comprova mais uma vez que, em relação a temas econômicos, o melhor que faria seria abster-se de dar palpites. Não se pode generalizar, mas em regra empresários não elevam o valor cobrado de consumidores movidos por pouco apreço à pátria, e sim porque veem o conjunto de custos que forma o preço de seu produto subir, sem que exista outra opção viável a não ser repassar a pressão inflacionária verificada ao longo de sua cadeia de insumos e de fornecedores de serviços. Se o presidente quiser ajudar a conter o preço de produtos da cesta básica e, ao mesmo tempo, evitar ruídos que lembrem medidas desastradas de décadas passadas, deveria não se aventurar com pitacos sobre assuntos que desconhece e buscar se informar com sua equipe econômica para compreender que a principal razão da alta dos alimentos é a valorização do dólar, que incentivou exportações, ao lado do bem-vindo aumento do consumo interno, graças ao auxílio emergencial. Diante desta realidade, de nada adianta o governo ameaçar produtores e varejistas, via órgão do Ministério da Justiça, a explicar os motivos da alta dos preços com impacto da inflação, ameaçando inclusive com multas. É uma nova atitude a comprovar o pendor intervencionista de parte influente do Executivo, contrapondo o discurso liberal da boca para fora. Para entender o que ocorre, bastaria compreender a lei básica da oferta e da demanda – que, espera-se, o Planalto não tente revogar. Ao menos foi tomada a medida coerente e lógica de zerar as tarifas de importação de arroz de fora do Mercosul, um dos grandes responsáveis pela maior inflação dos alimentos em 2020.
Para entender o que ocorre, bastaria compreender a lei básica da oferta e da procura
Em relação à questão cambial, Bolsonaro deveria saber que o real é uma das moedas que mais se desvalorizaram no mundo neste ano, o que certamente não está relacionado a uma boa condução de aspectos macroeconômicos e da percepção de riscos relacionados ao Brasil. Investidores estrangeiros vêm retirando capitais do país, em busca de mercados onde inexistam sobressaltos quase diários por disparates e ações despropositadas do governo que colidem com o bom senso. Se Bolsonaro demonstrasse, por exemplo, um esforço sincero para levar adiante reformas estruturais, certamente os donos do capital mundo afora enxergariam o Brasil como um lugar com mais oportunidades do que perigos, levando a uma natural desvalorização do dólar. Essa percepção positiva poderia ser reforçada se, ao mesmo tempo, cessassem definitivamente arroubos autoritários e fosse notado compromisso com a responsabilidade fiscal, deixando de dar margem à desconfiança quanto a tentações para gastanças.
Para estancar o movimento de batida em retirada de investidores, o presidente poderia ainda conter a guerra verbal contra ONGs e deixar de demonstrar desinteresse pela sorte da Amazônia ameaçada pelo desmatamento, pelo Pantanal em chamas e pelos povos originários do Brasil. Nenhuma empresa ou fundo gestor de grandes quantias de recursos quer mais associar a sua imagem a vilões ambientais, um papel que Bolsonaro assumiu e parece não fazer questão de dispensar pela sua notória má vontade com temas como a sustentabilidade.
Pode até parecer um desejo ingênuo, por contrariar toda a sua história, mas também o presidente poderia abandonar o figurino populista. Quando fala em patriotismo para conter preços, assusta seja qual for a razão da declaração. Pode ser apenas para jogar para a torcida, tentando transmutar-se em um novo pai dos pobres, algo que se choca com a sua trajetória e cartel de declarações. Ou por pura ignorância, imaginando que bastaria um pouco de boa vontade de empresários malvados acostumados a aproveitarem-se de tempos de crise. De qualquer forma, o discurso é típico dos populistas e lembra a terceirização das responsabilidades pelo chavismo pelas disparadas de preços na dilacerada Venezuela. A melhora na popularidade de Bolsonaro também coincidiu com o período em que ficou um pouco mais silente, logo depois da prisão de Fabrício Queiroz. Seria bom que voltasse àqueles dias. Se é incapaz de ajudar, que ao menos não estorve.