A delicada situação fiscal brasileira, com reflexo em maiores dificuldades para o financiamento da educação, faz com que mereça atenção especial e um debate profundo a ideia levantada na semana passada pelo vice-presidente da República sobre o Ensino Superior. Hamilton Mourão defende que a sociedade avalie "sem preconceitos" e "seriamente" a possibilidade de estudantes oriundos de famílias em melhor situação financeira pagarem para cursar universidades públicas. Estes recursos poderiam ajudar a custear mais bolsas para que jovens de estratos inferiores consigam frequentar faculdades particulares.
O Brasil mantém modelo que privilegia alunos de maior renda e acaba penalizando os que têm menos recursos
O Brasil é um dos raros países do mundo a manter este modelo que privilegia alunos de maior renda e acaba penalizando os que têm menos recursos financeiros. Estudantes oriundos de lares com mais posses tendem a ficar com boa parte das vagas gratuitas, especialmente nos cursos mais concorridos e com perspectiva de melhor remuneração ao longo da vida profissional. Estes, em regra, passaram os Ensinos Fundamental e Médio em escolas privadas, que usualmente contam com uma melhor qualidade de ensino na comparação com os colégios públicos. As condições para competir pelo acesso são assimétricas, contribuindo para a manutenção da gritante desigualdade social brasileira.
Hoje, o quadro verificado nos Ensinos Fundamental e Médio acaba sendo invertido no nível superior. Os mais ricos ocupam mais espaços nas universidades públicas, como no caso das federais, em geral mais reconhecidas que as privadas, e assim se eterniza uma situação que perpetua a baixa mobilidade, algo nefasto que só poderá ser contornado de forma sustentável por meio da educação. Um estudo do Banco Mundial publicado em 2017 analisou o problema no país e, da mesma forma, sugeriu que os alunos de renda média e alta de alguma forma pagassem pelo curso em universidades públicas, mesmo que depois de formados, com algum tipo de crédito. O trabalho verificou que 65% dos estudantes das instituições públicas de nível superior pertenciam à faixa dos 40% da população com condições financeiras mais favoráveis. A conclusão foi de que "as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população brasileira".
Uma das ideias do Banco Mundial, se adotada a cobrança, seria que o governo estendesse o Programa de Financiamento Estudantil (Fies) às universidades federais. Outros modelos poderiam ser analisados e debatidos, como a possibilidade de não haver mudança no nível de dispêndio escolar das famílias. Alunos que pagam escolas privadas seguiriam desembolsando os mesmos valores de seu Ensino Médio no nível superior, por exemplo. Com isso, se evitaria saltos abruptos nos orçamentos domiciliares, inviabilizando o acesso , por exemplo, a cursos reconhecidamente mais caros, como Medicina.
O fato incontestável é que, apesar da existência de políticas afirmativas, como as cotas, ainda é viável e necessário tornar o Ensino Superior mais justo, com contrapartidas de quem pode mais. Ao mesmo tempo, seria possível canalizar mais recursos públicos para os anos iniciais da educação pública, uma forma mais eficiente para de fato transformar o Brasil em um país onde o aprendizado possa ser, na prática, uma saída para reduzir a desigualdade e ter uma melhor distribuição de renda no futuro.